Maíra Mendes Galvão (1981, Brasília) é nome que esta semana escollín para divulgar a súa poesía. Traballa facendo traducións e vive creando poesía. Como para case tod@ poetas, a poesía é para elas/eles un acto esporádico mais. Como tod@s vive de outra actividade. Neste caso a tradución, e é significativo. É significativo porque, tanto na profesión (tradutora) como na vocación (poeta) traballa con palabras. Non sei se na súa profesión interfire/interferiu alguna vez a experiencia poética, mais si podo dicir que na súa vocación poética a palabra ten un lugar absolutamente central.
Maíra Mendes Galvão, polo que sei, leva publicado a plaquette nove poemas de mau gosto (2018, xa o título chama para unha lectura indispensábel), o poemario jamanta na testa (2019) e deixou poemas seus en moitas revistas ( ruído manifesto, casulo, escamandro, parênteses, gazeta de poesia inédita, asymptote, entre outras), participou tamén na antoloxía Uma alegría estilhaçada (organizada por Gustavo Silveira Ribeiro).
Non é moita produción, mais si a suficiente para certificar a súa calidade como poeta.
Coida moito a forma sonora da palabra poética (formou dúo performance con Jeanne Callegari). E a poesía para ela é unha revelación. E como tal revelación pode chegar en calquera momento. Revelación, a isto antes chamábaselle inspiración ou o alento da musa, mais é preferíbel a palabra revelación, é mais xusta, máis reveladora, máis exacta e significante.
E traballa tamén con moita intensidade e fortuna a forma poética, a forma das palabras no poema, a forma dos versos, a forma dos poemas. O cal, unido a un espírito curioso e a unha ollada que se manifesta tanto para dentro (introspección) com para fóra (extrospección), sente, repara e áchase inquerida pola realidade, e a unha humildade (que eu moito estimo porque di moito da persoa) que leva a poñer por diante a obra antes que o propio currículo ( comproben na súa páxina web; existe, e completo, mais só no remate e non moi explícito. Anecdótico?, non creo. Casual?, pode ser mais non deixa de ser significativo).
O resultado é unha poesía moi traballada na forma, unha poesía formalmente moi variada (como poderán comprobar na selecta que virá despois) que tanto se expresa na distancia longa como no poema curto (acho aí certa concomitancia co concretismo) e que tanto acolle temáticas trascendentes como outras que parecen relativas ao mundo do obvio, da realidade máis insubstancial , mais que ela consegue facer interesante e mesmo excepcional (e ácholle aí certo parecido coa mellor Clarice Lispector).
Mais a poesía comeza pola palabra, e Maíra traballa fondamente con ela, crea palabras novas, neoloxismos, xoga con contrastes, coa solidariedade léxica (que pode ser sorpesiva), escribe en varias linguas, dá entrada a vocabulario foráneo e otras veces pouco frecuente na linguaxe poética…Procura a dimensión exacta da palabra no verso (filosofía concretista, acho eu), do verso no poema…E pode observarse aí certo espírito lúdico. Haino, sen dúbida, é a parte lúdica da poesía. Mais a poesía é moito máis que iso, iso só é un instrumento á hora de crear, e crear coidando non repetirse ou repetirse o mínimo imprescindíbel. E iso é audacia. Maíra é unha poeta moi audaz, moi audaz.
Tendo en conta isto e que a discursividade poética ás veces parece tamén festiva, desenfadada, podemos chegar á conclusión de que o espírito lúdico o é en exceso. Nada máis lonxe da realidade. Pola contra independientemente do tema é unha poeta que sabe volver interesante calquera tema que trate, que sabe procurar moi ben a epifanía que a todo poema debe acompañar.
Sen dúbida, unha das voces máis interesantes e persoais da actual poesía bresileira. Sen dúbida, un nome moi a ter en conta no futuro das letras brasileiras e (compróbeno na súa web) tamén escribe ben en prosa.
Maíra Mendes Galvão, téñano en conta sempre.
Quizá pareza que non ten que ver coa poesía, referímonos á gastronomía, que tanto ama, mais eu estou convencido de que non é así.
Como sempre, aquí deixo o seu Facebook , no que sempre atoparán cousas interesantes.
A seguir, a selecta da súa poesía. No remate, ligazóns para poder escoitala.
scintilla animae
não ter a gravidade de duas patacas
que atingem o piso e tilintam
ter a gravidade sim de um crânio
plumbum,! ponderoso gongo
cujo grau de dureza veio do
crescimento endógeno do tempo
entremeando-se dobras sobre dobras
nos regos e axilas das curvas
dos 2 polos que mal sabem de suas
encruzilhadas nomeadas teimosamente
como relações de acesso
entrepostos de mundos possíveis
cancros de teoremas que são
agonia dialogia tritonia
ou broma rastelada de fulcro
do castelo da arcada de sonho
diaconisas em santidade forjada
bigorna sobre meu coro
enquanto imagem dobrada
como desdobrar os urros
de um desejo esquecido
dos pinotes avizinhados
selo grande, revém têmpera
alma grossa de ossatura
dos ritmos sincopados
disto que se diz fêmea
está tudo demasiado opaco
está tudo finalmente
finalmente enganado
*
misnOmer
my O
wn O
spooling out
of my O
wn control
presti
digitate
O it seems
so
at the edge
the hinge
so fallow
but NO
aint no
thing mo
tutored and
tailored and
trained than
this tumored O
way
way
too
moored on my own
mired and unknown
stessosessononésucesso
tisminetho
myomine
outinside
spoolingmine
*
ersatzspielerin
teimo em não acender a luz, encalhada
sem saber se quem – eu ou o mundo
é suplente de algo primevo
se o que existe é a tensão ou
degrau de recursividade.
o violento da memória é a retenção do vazio.
penso em palavras multiportantes, como não me escapa fazer:
merimnologia, ou: considerar é arder.
mermeridade, ou: ansiar é condenar-se.
metameridade, ou: a parte pelo todo.
palavras me procuram, procuram a nós
porque as salvamos de um desígnio adjunto
nos lançamos aos fins da tensão.
me vejo merócrina, exocito
e a elas entrego
qual impostora estertorada
o grau primeiro das coisas.
*
saponificação/permanência
“we met with a fat concretion where the nitre of the earth
and the salt and lixivious liquor of the body had coagulated large lumps of fat
into the consistence of the hardest castile-soap: whereof part remaineth with us”
(sir thomas browne, in hydriotaphia, urn burial, 1658)
o ar que o insufla o ser humano carrega a doença congênita de sua condição.
o cadáver sem oxigenação antes identificado com o indivíduo se transforma em artefato (de fatura involuntária).
como operar transfiguração voluntária da condição crônica extracorpórea de ser humano (em vida)?
eis uma taxonomia especulativa de solução mítica de criação por esgotamento
precedida do teorema estabelecido negativamente <o ser n-humano não é carismático>
derivado de axioma hipotético da condição do ser humano em termos de contiguidade:
o ser satânico: ser humano in extremis, liberto em quase tudo, todavia assintótico
o ser bestial: sub-humano, porém espelho das vergonhas do humano
o ser celestial: supra-humano, carne de espuma e soberba, tem sobrevida mercurial e não resiste ao exame
o ser monstruoso: realização de desejo de reorganização de partes humanas, fruto do tédio (e nada mais humano)
o ser para-humano: definido enquanto duplo acessório
o ser mais-do-que-humano: é a premissa derivada da conclusão
o ser não-humano: sua preparação se faz na tábua de corte e não no crisol
quod non erat demonstrandum: algo permanece, ainda que escorregadio.
…………………………………
…………………………………………………
o que as mulheres fazem aos domingos?
as mulheres
como nós
ocultas
aos domingos
vadiam
o quanto podem
a qualquer hora
e sozinhas
conjuram demônios
se despem das peles
furam bonecos
viram sirenas
arpejam
arrastam móveis
afiam facas
desaparelham-se
criam olhos no rabo.
as mulheres
ocultas
aos domingos
como nós
têm um duplo
que sorri
e conversa
e cozinha
e afaga
e se esquece
enquanto
a outra
bebe
sôfrega
da fonte
da imortalidade.
………………………………..
resumo do figo
segundo me apareceu um francisco, em des-língua:
um figo, ao se mover, cada vez mais se encarna.
o moto permite, assim, ao figo, que se materialize quanto mais é lavrado.
o moto engoliu a flor querendo ser figo.
nem mimosa nem mimese, re-sumada, posta em movimento, ressuscita, a-sumo.
recorpórea e des-frutada, em passos recursivos, des-comida, re-saboreada.
assim a metapalavra figo, conforme des-disse francisco.
[um poema ecfrástico para ponge]
……………………………………………..
acuidade vulnácula
fibromiasma no lugar de leito
a cabeça de penas e lacunas
um aperto nas conas – a de nervo e a de sangue
– melindroso fez visita
impromptuosa
lancina ancora cona-píncara
e retorna, anacruz.
…………………………….
a jazida da minha cabeça
na terra cinábrica
ou descorada de sonho
me vi órbitas afora
já morta:
cabeça autodecepada.
os cabelos entremeando a superfície
desenhavam o solo como lava,
a jaca ainda tenra,
glaucas bilas opalescentes;
eu via, olhava fixo, sabia
ser a legomena assassina
a executora da degola
a híbris desvairando arremedada
em cálculos e amolações.
e, examinando, tentava engenhar
o escape e como acordar
com aquele agora eterno
metal na língua
lingote grosso
apuro rômbico e
todavia embuçado
nas meias-tintas da vigília.
viva e morta adejam:
hagia-hetaira-daemonia
aristi cthonia-megara
§
the dream is always the same
pelo olhar sensível de gael, anita foi registrada
ao sorver seu remédio urbano, uma panaceia
de talos nutridos em gosma atmosférica
da dedigrisa pauliceia desvairada
simulacro bem efeito e postado
ante o brilho de coreografado reboliço
de dedos glissantes e stacattos
o par ex-sedento caiu na trombada
no que a chôcha vontade degringolava
e se quase cantava batalha gorada
gael cuidava de martelar o pino
na prenda rosa-médio cada vez mais baça
anita lhe dizia, sem fogo nas bilas vagas
que uma diezira tremenda lhe acometia
ao superlotar-se a polpa sanga
de estandartes fincados em várzea
gael, já morto no banhado
– o coco esbagaçado –
queixou-se de cafubira baita
e baliu: não sei de nada!!!
REPORT THIS AD
§
astsu
de membro inferior lançando o início
palavra primícia deposta do centro
estação da ressonância – seme
fórmula como criança de forma feita
invocação propínqua ao silogismo
carrega a letra para os sentidos
estação da abundância – ceva
conservação de posição recíproca
K-metonímico (árvore da senciência)
de frutos necessários e cômodos, mas alheios
octanagem de operação corrente
ka se investe de pluma e cilício
eu tinha bá nos dias da turgência
e mucura na soleira da língua
hapi, autóctone prelado, envia-me cá
nos dias da branca tinta
écfrase-homenagem ao “ka” de khlebníkov traduzido e comentado por aurora bernardini
§
tempos bicudos
lip
lab
lang
langue
linguagem
láparo
long
lab
lip
bo
bo
boca
balal
bela
ba
ba
sim
safa
sofia
safadita
sofis
safo
sim
§
quem, além de f.?
não adivinhar as linhas mas entrar no contratempo da cabeça de f.
esperar por f. e não perceber a mosca que pousa no lábio
pensar na morte, beliscar os seios e f. não constar
escalar a híbris de escalar o complexo de f.
e cair da cabeça de f. sem ver o cume
na mão aberta de f. se tornar míope
no antebraço de f. ser projétil
nem pelo nariz enquadrar f.
sugar a meia-frase de f.
esconder de f.
as outras
letras
de
f.
§
estio
o senicídio de mara lago e milly ciano
atesto par
canhestro
coaxial batráquio
polemodáctilo
duo de nada
em co-couraça
violácea
co-emergente
(canibal antiantropofágico)
em festa
refestela-se
penistilência
paira no ar
pós chisteculação
orocorporal
desbarranco
a drupa engelhada
reverto par atesto
ex-patifes
munha no calhau
pano de boca
babau
……………………………..
belletriz transfigurada
eu vou nascer feliz numa cidade futura
eu sei atravessar as fronteiras das coisas
mário cesariny de vasconcelos in o jovem mágico
vou surgir pulsando
das curvas do teu pescoço
e hoje quebro teu osso
é hoje que te dou pernada
não de pinça
de balestrada
pra te emborcar as bolas
pois é agora
que abro também tua jaca
e desdobro uma por uma
as tuas ideias plissadas
hoje eu vou te concutir
e depois ainda passo um arado
na tua roça de cicatriz
vou te deixar terraplano
desengelhar teu bornal
te martelar o bife dos quartos
despilorar a mucosa crispada
pois toma-te-lhe, ó fona
tralhoto gorado
vou te desconcavar os písceos
é hoje que quebro teu osso.
(antoloxía simultáneos pulando)
…………………………………….
Cristalografia
no crisol, cristalogia que intento acumular
é o avistado que se embrenha e transforma
nas cristas e crenelagens, grisol.
o zênite se espraia e, de gris, tinge
de vez, o todo pré-maduro,
sustentando o suspenso sem fim,
adiando a mundos, afora de resolução,
tateando em letras o vocovocífero
do verde de lastro e pedra.
dos limites das sombras e
de seu deslocamento, vejo,
em quase glaceada órbita,
toda a petrologia
e ignitude
em seus recônditos de cumes geminados,
pretenso planalto,
por isso vivente.
aceito, assim,
a topologia,
que, de rompante, iterativa me acompanha
e reconheço essa face das faces,
cresta em toda volta,
com intenção de ser infinda
crostalogia,
fundante assombração.
…………………………………………
(Despacho)
não existe nome vazio; se é vazio, não é nome.
a valência gera discurso, o que não se pode provar que é derivação.
a condição de verdade está não no nome mas no mundo real;
e, no mundo real, nome é artefato.
da ano(ni)mia, no entanto, não sai mundo
(real ou irreal) e nem a própria condição de verdade.
embala-nos ou embalsama-nos, portanto,
a madre nossa,
a paquidérmica
indexicabilidade.
…………………………….
cogito aversoado e sem poesia
exercitar o silêncio
não é calar
é ouvir sem atropelo.
bradam “sejamos mais racionais”
mas
qualquer razão que parte do empírico
jamais será QED perfeito.
e este mundo dos fatos:
- fatos da práxis
- fatos da psique
- fatos das tripas
por mais atentamente que se lhe observe
nele um observador ainda é um só
observador.
não vejo muita coisa
menos racional
de que confluí-los:
um vai prevalecer
o de maior gravidade
assim cultuado
por tão pouco
por sua pelagem
pelos imponentes bagos
e por ser treinado para morder duro
alinhavar suas arengas e retóricas
com presunção de razoabilidade.
mas não é pra se acanhar.
se quiser, fale, articule, mas ouça.
se quiser mesmo derivar
a lógica de fatos,
come and see:
o axioma mais perfeito
para engatar arrazoado
será, para funcionar,
imperfeito:
algo qualquer que admita
que não se fala
com integridade
dos fatos
com a razão puramente.
………………………………………………..
Aquí poden escoitar poemas na voz da mesma Maíra.
[…] Guilherme Pinheiro) Meteöro. O seu último libro é Noite de São joão (2020) e organiza con Maíra Mendes Galvão a versión paulista de Poetas de Dois […]