MARIANA BOTELHO
Lin que a poesía de Mariana Botelho ( Padre Paraíso, Minas Gerais, 1983) foi/é considerada minimalista por ela se expresar con brevidade. Iso é entendíbel no contexto brasileiro, onde os poemas moi frecuentemente son máis longos. Aínda así, eu non participo para nada da denominación “minimalista” aplicada á poesía: primeiramente porque só é posíbel que se refira á poesía actual ou contemporánea, e aínda así esa denominación deixa fóra, por sinal, a quen escriba sonetos (que hai quen os escribe e moi ben), ou é que os sonetos tamén son minimalismo?; e en segundo lugar porque o “minimalismo” sempre se entende de mans dadas coa “economía de recursos”, outra denominación que tamén non é moi feliz aplicada á poesía. Simplemente, quen escribe (sexa prosa, sexa poesía) ten que saber exactamente cal é a dimensión do que quere contar/dicir/expresar. Facelo en máis extensión da requerida difumina, desdebuxa, apaga a mensaxe principal do que se quere transmitir. Facelo en menos extensión da debida tamén leva ao fracaso, pois non se consegue exponer o tema cabalmente.
Vista a súa poesía desde este lado do Atlántico, non estraña a súa dimensión espacial.
Posibelmente o feito de que ela nacera e se criara nun núcleo urbano pequeno (Padre Paraíso anda sobre os 20.000 habitantes, máis ou menos) e fóra da influencia de centros como Belo Horizonte, São Paulo ou Rio de Janeiro, posiblemente ese feito axudara moito a que Mariana Botelho lograra unha expresión moi propia e singular dentro do panorama poético brasileiro.
Desde a máis tenra adolescencia leu a Pessoa, Vinícius de Moraes ou Neruda, mais quen foi fundamental para ela é Ana Cecília de Sousa Bastos. Outr@s poetas importantes para ela son Carlos Drummond de Andrade, Augusto dos Anjos, Cecília Meireles, Mario Quintana, Emily Dickinson, Ezra Pound, Cummings, Lorine Niedecker, Yeats, Juan Guelman, Adília Lopes ou Adélia Prado.
Mariana Botelho concibe a poesía como unha revelación íntima. É importante entender que a revelación non ten porque ser de algo espectacular, grandioso, epatante. Ou pode que si, en todo caso a poesía revelación de Mariana Botelho pasa primeiro por unha demorada convivencia nos seus adentros( sensibilidade, conciencia, cultura, sentimento, razón…) para despois expresarse como tal revelación mais xa na categoría de revelación íntima. Esa convivencia nos adentros da poeta ( ela sente necesidade de esmerar o poema, de dicilo para si, de controlalo totalmente), tamén pode explicar a brevidade.
En todo caso, Mariana foxe da contundencia na revelación. Non pretende deslumbrar, senón ensinar, amosar, indicar… e faino con delicadeza, cunha delicadeza que convida a quen le a partillar a mensaxe: interiorizala, reflexionala e despois partillala. Esa é unha das cousas que máis me atraen da poesía de Mariana Botelho, que sempre logra un ton confidencial no que quen le se acha á vontade.
De Mariana sei que publicou no 2010 O silêncio tange (Ateliê Edditora, un título co que logrou chamar a atención de crítica e lectores), en 2015 K (Clãdestina Cartonera), mais non coñezo o terceiro, que dedeu ver a luz hai pouco.
A crítica, polo que lin, sinala como características temáticas súas as referencias á natureza (nomeadamente á auga) e ao propio corpo. Pola miña banda, a emoción reflexiva que consegue inocular nos seus poemas, e a delicadeza coa que o fai, é o que máis me interesa
Mantén unha bitácora, o blog Suave Coisa mais é só para lectores inscritos.
De todos xeitos, eu aconsello moito seguir o seu Facebook
Imos coa súa poesía:
( Na Ruido Manifesto)
a distância entre nós,
amor
o sangue jorrando
avião que parte
de nossas cabeças
para o planalto central
eis aqui o tão longe
para onde venho –
magra como meu passado –
chorar a voz
do meu antigo nome
*
estou farta
de pessoas
que não vêm
esperar os filhos à mesa
esperar que tudo dê certo
esta casa está em desordem
e não há sequer um canto
para abrigar a paz
escrevo com muito medo
de que os homens saibam
que a mesa não está posta
e eu não limpei
o leite derramado
*
de novo
dia
alma de hortelã
e névoa
o silêncio perdoa
meu corpo
magro
perdoa o homem
que se foi
é setembro
basta uma oração
e é manhã de novo
*
Nascente
córrego
cachoeira
ribeirão
eu choro
pra pertencer à paisagem
(Emmanuel Mirdad)
afinação
Mariana Botelho
há que se aprender a tirar silêncio
das coisas
quando uma coisa produz silêncio
ela está
pronta
——–
cesariana
(para Pedro)
Mariana Botelho
seus pequenos olhos
cor de aurora represada
ainda que um dia se afastem
ficarão
nessa pequena cicatriz
——–
náufragos
Mariana Botelho
nossas bocas
nossas mãos
pequenos afluentes de silêncio
submersos
nem nas palavras que calamos
nos encontramos
——–
estação
Mariana Botelho
tenho um outono no corpo
de onde as
coisas
caem
vejo doçura nas roupas
espalhadas
pelo chão
——–
nascente
Mariana Botelho
córrego
cachoeira
ribeirão
eu choro
pra pertencer à paisagem
——–
“meu pai me deu esse olho de pássaro
pra mim o
tempo
voa”
“porque a palavra me pega de dois jeitos:
de um jeito que não basta sabê-la
de um jeito que me come
tudo o que me resta é dizer de um corpo que chora à margem
esperando a sede
enquanto ouve a palavra água”
“no corredor o vai vem das
saias onde eu me
agarrei
(…)
no canto da sala a cadeira da minha
avó onde um dia
a dor
me esperará”
……………………
( En Poesia.net)
ABSTRATO
eu nunca beijei um poema.
no entanto ele está aqui
roçando leve minha
boca
nas horas dos
mais
doídos
silencio
ATO
um poema me deixou um sismo na carne
me arqueou o corpo
e traçou em minhas costas itinerários de espuma.
com um gosto de cor
na boca
deixei cair pulsante
um
longo beijo
morno
RESISTÊNCIA
um pote cheio
do furor que escorria dos teus olhos
guardei
porque gastamos todas
as nossas mãos
e restou inteiro
esse sentimento
enrugado
que não
passa
INTIMIDADE
um pequeno itinerário de passos
uma claustrofobia acariciada
gente que todo dia me bate
à porta e entrega-me os
cílios meus que encontraram
na calçada…
o dedinho de uma linda preta
com quem dividir os cílios caídos
com quem dividir o medo
de não sobreviver e de sofrer
a violência das crianças na escola.
aquela voz grave todas as manhãs
todas as manhãs
aquele cheiro só
aquele cheiro de capim chovido
os olhos negros do meu pai
e uma cidade íntima
soluçando dentro de mim.
CESARIANA
para Pedro
seus pequenos olhos
cor de aurora represada
ainda que um dia se afastem
ficarão
nessa pequena cicatriz
[OS OLHOS DE MEU PAI]
os olhos do meu pai fincaram em mim duas colunas de óleo negro
buscando retalhos de amanhecimento
em vão
nada digo
que seja digno de claridade
ÁGUA
Água.
fui sentir o cheiro de
terra molhada.
ficamos ali
eu e meu corpo,
cantando a plenitude do mato
depois da chuva.
Água.
me amei.
[TUDO O QUE ME RESTA]
tudo o que me resta é dizer de um corpo que chora à margem de
[ um rio
esperando a sede.
porque a palavra me pega de dois jeitos:
de um jeito que não basta sabê-la;
de um jeito que me come.
tudo o que me resta é dizer de um corpo que chora à margem
esperando a sede
enquanto ouve a palavra: água
[TANTA COISA]
tanta coisa que fala no corpo
cala
na pequenina poesia
COISA QUE ME OCORREU DE REPENTE
a poesia se derrete nas mãos do poeta
como gato que ele afaga
a poesia queima nas mãos do poeta
como um fogo que ele alimenta
a poesia afoga as mãos do poeta
é um copo do oceano que ele mesmo inventa
o poeta é um mar de si mesmo.
[O SILÊNCIO]
o silêncio tange o
sino de tão
leve ninguém
escuta
PERSONA
o poema
essa estranha máscara
mais verdadeira do que a própria face
Mario Quintana
não é isso o que somos mas é assim que resistimos
porque fingimos que fingimos
empurramos nossos barcos contra as marés da aurora
para que a noite não passe
e continuemos despidos
ESTAÇÃO
tenho um outono no corpo
de onde as
coisas
caem
vejo doçura nas roupas
espalhadas
pelo
chão
……………………
(En Tudo é poema)
navegar o centímetro do gesto
no mar infinito do verbo
é teu o que te for dado:
o olhar cansado preso à teia,
o medo já domado da fera,
o beijo.
tudo o mais
entrega
eu te quis em meio a essas violentas
portas enquanto
o amor se confundia em
minhas pernas se perdia
entre as frestas
inundava meus vãos
INTIMIDADE
um pequeno itinerário de passos
uma claustrofobia acariciada
gente que todo dia
me bate à porta e entrega
cílios meus que encontraram
na calçada
o dedinho de uma linda preta
com quem dividir os cílios caídos
com quem dividir o medo
de não sobreviver e de sofrer
a violência das crianças na escola
aquela voz grave todas as manhãs
todas as manhãs
aquele cheiro só
aquele cheiro de capim chovido
os olhos negros do meu pai
e uma cidade íntima
soluçando dentro de mim
os olhos do meu pai fincaram em mim duas colunas de óleo negro
buscando retalhos de amanhecer
em vão
nada digo
que seja digno de claridade
………………………
( En António Miranda)
a poesia esqueceu-se numa casa de Minas
o cheiro de manga em dezembro
há cana cortada em cubinhos
doce para o mel da lembrança
lágrimas, um pouco de sal
para o tempero da memória
a avó não abre mais os olhos
a poesia esqueceu-me numa casa de Minas
…………………..
( En A mulher e a poesia)
…………………………
(na Escamandro)
CAVALO I
intempérie
assolou o quintal
devorou alface
(sonhos
do sol
sobre as folhas
às quatro da tarde
com café novo
no bule)
– não é fácil
respirar –
rasga meu sono
põe as patas
no meu peito
me aperta entre
vida e morte:
por cima
sem cuidado
por dentro e
através
§
a força
do esvaziamento
presença
excessiva
do corpo
no corpo
– do corpo
no chão –
como que plantado
na queda
a “mói” de um trator
sabe explicar
todas as ruínas
um fio na chuva, –
se tivesse
ainda
outro lugar por
onde chorar
chorava
§
é como estar debaixo d’água
em transe
numa casa
de vários quintais:
o amor
família inteira à espera
(araras
no cerrado
às seis da tarde) –
talvez
para jantar –
à luz de um sol
(talvez dois)
dos olhos mais
bonitos
que já vi
§
um corpo cai
nem as feridas atestam a veracidade
do que parece sonho
inaugura todos os dias
uma nova vertigem
para a mesma viagem:
um trem de ferro que passa
ao largo
de nossa morte
………………….
Na Germina, hai poemas inéditos
…………………………
(Na Linha de vida)
permanece na língua
o sabor de lima
e é doce –
como diz a memória
essa fruta
colhida
fora do tempo
……………..
(En Modo de Usar& Co.)
fotograma
ela na copa
macacão de operário
ele na sala
sentado no sofá
o homem de Rodin
eu aguardava no
batente da porta
vestido verde de crochê
três pérolas no busto
o momento
de pedir colo
depois de quebrarem
o lindo
telefone azul
§
a manhã nos obriga
a chorar
sempre
esquecer
a tosse noturna do filho
a urgência
do amor
o verbo
nosso pai
o silêncio
nosso filho
nosso rito diário
de esquecer
§
não sei verbalizar
o abismo
sei cair
dentro dele
como dois olhos que eu avisto e temo
e o chão se demora –
amor –
a tocar meus pés
§
te amo
de bom sono
acorda
o que tenho
de melhor
entre as pernas:
o pensamento
§
é uma cidade muito pequena
para tanta distância
é preciso
ir devagar
com os cuidados, meu pai
devagar com os cuidados
é uma cidade muito pequena
para caber tanta dor
§
I.
acredite pai
como dói esse braço de mar
muito mais que sua ausência
II.
nunca foi boi
nunca te doeu
um pasto na alma
são estas coisas —
muito mais
do que seus olhos
§
aprende
a hora
das coisas
a certa altura
elas têm boca
mãos incríveis –
tu te sentes uma harpa
a certa altura
as coisas têm olhos
que tu nunca
vais esquecer
…………………….