Lubi Prates: a poeta, a vítima, a rebeldía negra

Porxmeyre

07/06/2020

Que a literatura é un espazo verbal que permite coñecerse e recoñecerse mellor que case ningún outro, non é dicir nada novo, non, mais o certo é que tampouco se escoita/le demasiado, como se se dera por obvio. Obvio si, mais é preciso lembralo, é preciso. E o percorrido vital da poeta que hoxe escollemos para traer a estas páxinas demóstrao moi ben.

Lubi Prates naceu en 1986 en São Paulo. Estudou Psicoloxía e especializouse en Psicoloxía Reichiana. Polo momento coñézolle tres poemarios: Coração na boca (2012), Triz (2016) e Um corpo negro (2018). Fundamental este terceiro poemario. Porque Lubi Prates primeiro descubriu a maxia da poesía, mais é o terceiro poemario o que marca a asunción da súa condición de muller negra. Certamente, o camiño feminista xa o andaba mais faltáballe recoñecer o feiro diferencial de ser negra, que se consuma nese terceiro poemario, antes a súa non reflectía este decisivo pormenor. Quer isto dicir que a mentalidade branca se insire nos corpos negros do Brasil actual até o extremo de ficarem colonizados polas estruturas raciais brancas. Quere isto dicir que, no Brasil actual, actuar contra a invisibilidade d@s negr@s é una tarefa aínda urxente. E é una tarefa que Lubi Prates leva adiante día tras día, hora tras hora, porque non se pode perder un minuto. Porque  a mesma Lubi recoñece que o movemento feminsta é racial, branco. Quen o diría dun Brasil onde viven tant@s nergr@s, mais é así, e sáese desa marxinalidade facendo visíbel o traballo d@s negr@s a través de palestas, encontros, xornadas, congresos… e libros, cantos máis mellor.

(Modestamente, agardamos que estes artigos de divulgación, que comezaron coas poetas negras e a elas volveron hai tempo, teñan algún tipo de virtualidade nesa tarefa, desde aquí, desde a Galiza, a solidariedade)

Mais volvamos sobre a poesía de Lubi Prates, a poeta; xa que da vítima vimos de falar.

Cómpre dicir que é una poesía valente. Que é una poesía revelación e marabilla, pois poesía revelación e marabilla só se atopan na mellor poesía. É importante a componente reflexiva, claro que é. Porque a súa poesía ten o valor da fascinación, do fulgor, do espontáneo, do revelado…e tamén da reflexión. É poesía denuncia e é poesía sentimento. Como tamén é importante a experimentación nos camiños expresivos ou estéticos, que tamén o é, tamén. Mais, na miña opinión a poesía de Lubi descríbea mellor ese fogonazo inspirador e o ronsel que o acompaña. Mais na miña opinión, a valentía de enfrontarse a un mundo masculino e branco de ideoloxía dominante…tamén ten que ser posto en valor.

Digamos tamén que entre as referencias da súa poesía tópanse nomes clásicos como Conceição Evaristo e outros moito máis recentes como o caso de Jarid Arrães (de quen xa escribios nestas páxinas, das dúas).

Digamos tamén que deu á luz una plaquette trilingüe (portugués, castelán, inglés) titulada De Lá/ Daqui. Que é socia fundadora da editora nosotros, da revista literaria Parênteses e que forma parte do Consello Editorial do selo CAROLiNA ( da editoa Linha a a Linhaa para escritoras negras) e da revista Deriva. E non me vou deter en festivais e eventos nos que participou. Apenas que se trata dunha poeta que xa sabe que o seu lugar é o mundo (solidariedade de clase e racial), atenta  á actualidade poética internacional e dona dunha pericia técnica á hora de escribir que fai dela una autora moi lida, moi tida en conta e imprescindíbel

Digamos tamén que participou no Golpe-Antologia-Manifesto en defensa da democracia e en contra do bolsonarismo.

Mantén tamén presencia na rede, desde a súa bitácora.

E agora pasemos á súa poesía:

1.

você traz na boca

todo o gosto do mar

e eu tento adivinhar

inutilmente

quantos oceanos você atravessou

hasta aquí, hasta mi

quais oceanos você atravessou

hasta aquí, hasta mi

para guardar em si

tanta água, tanto sal

em cada gota de saliva.

você traz na pele

todos os tons da terra

e eu tento adivinhar

inutilmente

quantos continentes você percorreu

hasta aquí, hasta mi

quais continentes você percorreu

hasta aquí, hasta mi

para guardar em si

tanta cor & esse cheiro que acentua quando tempestades.

você diz reconhecer

o gosto de mar que trago na boca

os tons de terra que trago na pele

fácil perceber então que

atravessamos percorremos

os mesmos oceanos os mesmos continentes

hasta aquí

: somos filhos da África

e tudo que contamos através dos nossos corpos

fala sobre nós, mas no profundo da memória

guarda nossos ancestrais.

*

2.

nos tornamos maiores

que um continente

agrupamento de

quilômetros

de terra

apenas com nossos corpos

um sobre o outro.

nos tornamos maiores

que um continente

isolados por oceanos

ou riscando fronteiras entre

tudo que era nosso e

o resto.

nos tornamos maiores

que um continente

e não precisamos de

guerra fincar bandeiras

colonizar o outro dizer

esse território é meu.

nos tornamos maiores

que um continente e

inventamos

um idioma próprio.

nos tornamos maiores

que um continente.

nos tornamos maiores

que um continente e

sequer percebemos quando

nossas terras secaram e

surgiu a rachadura

a fresta existente entre as minhas pernas ficou profunda

até alcançar as águas possíveis

de movimentar as placas tectônicas

as águas possíveis

de separar os corpos

as águas tão inconscientes

abaixo do lodo que temos todos.

nos tornamos maiores

que um continente e

prevejo

demorará séculos milênios

para matarmos nossa civilização.

nos tornamos maiores

que um continente e

prevejo

demorará séculos milênios

para alcançarmos a distância que existe

entre África e América Latina.

*

3.

este poema

não diz seu nome

este poema

não diz se veio

este poema

não diz seus atos

este poema

não diz seu nome

este poema

não diz a matéria

da qual é feito

a matéria que desaparece

quando nossos corpos

se chocam.

este poema

não diz seu nome,

é você

porque é ausência.

…………………………………………..

ser mulher é uma bênção
ser mulher é poder gerar & poder parir
ser mulher é ter buceta, dois seios, uma bunda grande

ser mulher é
ser loira, olhos claros, nunca descabelar-se
é ter sangue escorrendo entre as pernas & não deixar que percebam mesmo que

você corra
você nade
você dance

ser mulher é uma bênção
e desde a Bíblia é ser apedrejada queimada morta
uma contradição

eu descobri agora que
não sou mulher

estou viva
nunca queimada
nunca apedrejada

eu descobri agora que
não sou mulher

sou negra, sou apenas uma negra

e o sangue que vem do meu ventre
permito que seja rio
que volte pra terra e

corro
nado
danço

descabelo-me

eu descobri agora que
não sou mulher

eu tenho pinto
apenas um seio
quadril estreito

nunca pari

eu descobri agora que
não sou mulher

ser mulher é uma bênção.


para este país

para este país
eu traria

os documentos que me tornam gente
os documentos que comprovam: eu existo
parece bobagem, mas aqui
eu ainda não tenho esta certeza: existo.

para este país
eu traria

meu diploma os livros que eu li
minha caixa de fotografias
meus aparelhos eletrônicos
minhas melhores calcinhas

para este país
eu traria
meu corpo

para este país
eu traria todas essas coisas
& mais, mas

não me permitiram malas

: o espaço era pequeno demais

aquele navio poderia afundar
aquele avião poderia partir-se

com o peso que tem uma vida.

para este país
eu trouxe

a cor da minha pele
meu cabelo crespo
meu idioma materno
minhas comidas preferidas
na memória da minha língua

para este país
eu trouxe

meus orixás
sobre a minha cabeça
toda minha árvore genealógica
antepassados, as raízes

para este país
eu trouxe todas essas coisas
& mais

: ninguém notou,
mas minha mala pesa tanto.


condição: imigrante

1.

desde que cheguei
um cão me segue

&

mesmo que haja quilômetros
mesmo que haja obstáculos
entre nós

sinto seu hálito quente
no meu pescoço.

desde que cheguei
um cão me segue

&

não me deixa
frequentar os lugares badalados

não me deixa
usar um dialeto diferente do que há aqui
guardei minhas gírias no fundo da mala
ele rosna.

desde que cheguei
um cão me segue

&

esse cão, eu apelidei de
imigração.

2.

um país que te rosna
uma cidade que te rosna
ruas que te rosnam:

como um cão selvagem

esqueça aquela ideia
infantil aquela lembrança
infantil

de sua mão afagando um cão
de sua mão afagando

seu próprio cão

ficou em outro país
ironicamente, porque a raiva lá
não é controlada

aqui, tampouco:

um país que te rosna
uma cidade que te rosna
ruas que te rosnam:

como um cão

: selvagem

………………………………………………

mátria e/ou terra-mãe


repetem repetem
mátria
com tanta certeza
como se a palavra
existisse
no dicionário
o último lugar de validação.

mas não é mãe
se permite
que te arranquem
o solo e os pés
no mesmo instante

não é mãe
se inventa um navio
quando te jogam
ao mar
se força as ondas
pra que chegue
mais rápido
ao desconhecido

não é mãe
se permite que grite
até a rouquidão
mas num idioma
que ninguém compreende.

repetem repetem
mátria
com tanta certeza
como se a palavra
existisse
no dicionário
o último lugar de validação.

de onde eu vim
pra onde sempre vou
eu chamo pátria.

não foi um cruzeiro

meu nome e
minha língua

meus documentos e
minha direção

meu turbante e
minhas rezas

minha memória de
comidas e tambores

esqueci no navio
que me cruzou
o Atlântico.

…………………………

arrancaram meus olhos
e cada pelo do meu corpo,
cortaram minha língua.
arrancaram unha a unha,
dos pés e das mãos.
cortaram meus seios e o clitóris,
cortaram minhas orelhas,
quebraram meu nariz.
encheram minha boca e os outros vácuos
de monstros:
eles devoraram tudo.
só restou o oco.
então, eles comeram este resto,
limparam os beiços.

depois, vomitaram.

…………………………

………………………………

autocartografia

localizar no meu corpo
com uso de coordenadas
um ponto para acomodar esta dor.

um ponto     exato    para acomodar esta dor
onde ela já não doa tanto
até diminua
talvez se autodestrua

e eu sequer perceba.

localizar no meu corpo
com uso de bússola
um ponto para acomodar esta dor.

mas esse território que sou
quase inteiro marcado riscado avolumado
por cicatrizes se mapeou.

localizar no meu corpo
com uso deste mapa
um ponto para acomodar esta dor.

um ponto     exato     para acomodar esta dor

um ponto entre esse rasgo do norte da minha boca
e o sul do meu ventre

um ponto entre as feridas do leste e oeste esquecidos nas pontas dos meus dedos

um ponto     desocupado     entre minha cabeça e os pés
para acomodar esta dor

onde ela já não doa tanto
até diminua
talvez se autodestrua

ou eu apenas esqueça.

Para João Gabriel Oliveira.

…………………………………………………..

você está na Rússia
onde sempre quis estar.

você está na Rússia
onde eu nunca estive.

assim, eu não posso precisar
a temperatura do seu corpo
neste inverno. assim, eu não posso precisar
se o branco do seu corpo, tão conhecido,
se confunde com a paisagem que você escolheu
e não sou.

você está na Rússia
onde eu nunca estive.

assim, eu não posso precisar
se as suas lágrimas
caso caiam
serão quentes, como aquelas que eu lambi, ou
imitarão flocos de neve indo ao chão.

você está na Rússia
onde sempre quis estar.

e eu continuo no Brasil
mas é um Brasil
que você jamais conheceu.

assim, você não pode precisar
se aqui agora minha carne apanha.
assim, você não pode precisar
se minha carne ainda tem aquela cor bronze possível em
30 graus ou se já é aquela carne apodrecida por resistir.

você está na Rússia
onde eu nunca estive.

e eu continuo no Brasil
mas é um Brasil
que você jamais conheceu.

assim, você não pode precisar
se caem lágrimas, quentes ou frias
dos meus olhos. assim, você não pode precisar
se é uma secura sem fim
embora não faltem motivos e ou vontade
de chorar.

você está na Rússia
onde sempre quis estar,
onde eu nunca estive.

eu continuo no Brasil,
um Brasil que você jamais conheceu.

……………………………

1.

te dou de comer
na palma da minha mão.

é ancestral
o gesto de agachar,
se reconhece:

me curvo ao chão
então, você vem,
faminto.

não distingue
entre o que é comida
e quem eu sou.

penso domar a fera,
as pontas dos meus dedos se vão.

não distingo
se é dor ou prazer
me transformar em seu alimento.

voltarei amanhã,
você sabe.

2.

sequer havia luz,
mesmo assim,
aprendi a te alimentar
primeiro.

antes de qualquer verbo
ou nome:

não havia chamado,
ainda não há.

embora sequer houvesse luz
e tendo, ainda, olhos
preservados por você,
me guiei pelo cheiro da sua boca
entreaberta.

agachado,
com minha pata de bode,
te dou de comer
antes de seguir, veloz.

3.

esse chão
criamos nós

a partir do nada que havia:

era apenas linguagem.

na palma da sua mão
dei o que eu tinha,
cuspi a palavra terra
que você moldou com sua saliva.

fez-se lama.

nomeamos assim,
essa porção ínfima
onde deitamos.

4.

quando forte,
você se antecipa.

reproduz meus gestos
com uma velocidade maior.

trama uma fuga.

quando você passa,
eu lanço a pólvora.

o fim te alcança
ainda preso a mim.

aqui, agora,

explosão
diante dos nossos olhos.

5.

sobre a lama onde deitamos,
passou tempo.

confundimos
passado presente futuro:

aparentam ser o mesmo.

na lama onde deitamos,

criaram-se frestas,

nelas, imaginamos caminhos.

surgiram tantos outros iguais a nós.

abri uma encruzilhada
e te coloquei no meio.

de costas, esperei que seguisse.

§

encontrar você
como uma revisitação.

eu volto à casa onde cresci
diferente
da infância.

não há ninguém,
só você.

eu não guardei as pistas do caminho
e meus pés souberam o retorno,

o que existe é memória:

as paredes já não são as mesmas
mas sustentam os velhos quadros

impossíveis de decodificar,

eu apenas te mostro.

a luz elétrica falha
assim como o tempo.

……………………………………

até só restar o depois
(sobre o dia 29 de abril, em Curitiba)

pudesse,
recordaria se havia sol
antes daquela tarde
quando tudo se resumiu a
cinza:

fumaça, um
quase

aquele estado de consciência frágil
entre estar acordado &
desmaiar.

pudesse,
recordaria o cheiro
antes daquela tarde
quando tudo se confundiu a

gás
pólvora
sangue.

recordaria quais eram
minhas atividades inúteis
antes de acessar a internet &
navegar entre as notícias

para descobrir o alvo
dos helicópteros que
sobrevoavam a cidade

destruindo
destruindo
destruindo

qualquer segundo
de silêncio

inibindo os gritos

pudesse,
eu recordaria o antes:

quando não havia escombros.

……………………………….

trinta e cinco dólares

um corpo que
estabelece o limite
com o outro

ser

um corpo que
é membrana e
ampara

a personalidade

um corpo que
guarda os escapes
da mente

assim como
o contrário:

tudo que acontece
no corpo chega
às camadas psicológicas.

como pensar um corpo
que é tocado
dominado
invadido

destruído:

é saber o corpo
de uma mulher:

mutilado
estuprado
vendido

na África,
todo clitóris
é cortado

para que
nenhuma        mulher
sinta prazer.

na África, também
as meninas                   ainda meninas
apertam seus seios

para que pareçam
meninos e
não sejam invadidas.

como pensar um corpo

como saber o corpo
de uma mulher:

no Brasil,
trinta        e            três
homens
estupraram uma mulher.

ainda, no Brasil, a cada
onze minutos
uma mulher
é estuprada

mas não fala-se
a respeito
parece natural.

como pensar um corpo

como saber o corpo
de uma mulher:

a cada ano, dois milhões
de mulheres
são vendidas

cada mulher custa
trinta     e                  cinco
dólares.

eu não estou
à venda mas

o que eu custo:
trinta      e                   cinco
dólares.

como pensar um corpo

como saber o corpo
de uma mulher:

apenas carne.

*


Esculturas Musicais 11 – Lubi Prates

até só restar o depois
(sobre o dia 29 de abril, em Curitiba)

pudesse,
recordaria se havia sol
antes daquela tarde
quando tudo se resumiu a
cinza:

fumaça, um
quase

aquele estado de consciência frágil
entre estar acordado &
desmaiar.

pudesse,
recordaria o cheiro
antes daquela tarde
quando tudo se confundiu a

gás
pólvora
sangue.

recordaria quais eram
minhas atividades inúteis
antes de acessar a internet &
navegar entre as notícias

para descobrir o alvo
dos helicópteros que
sobrevoavam a cidade

destruindo
destruindo
destruindo

qualquer segundo
de silêncio

inibindo os gritos

pudesse,
eu recordaria o antes:

quando não havia escombros.

*

*

trinta e cinco dólares

um corpo que
estabelece o limite
com o outro

ser

um corpo que
é membrana e
ampara

a personalidade

um corpo que
guarda os escapes
da mente

assim como
o contrário:

tudo que acontece
no corpo chega
às camadas psicológicas.

como pensar um corpo
que é tocado
dominado
invadido

destruído:

é saber o corpo
de uma mulher:

mutilado
estuprado
vendido

na África,
todo clitóris
é cortado

para que
nenhuma        mulher
sinta prazer.

na África, também
as meninas                   ainda meninas
apertam seus seios

para que pareçam
meninos e
não sejam invadidas.

como pensar um corpo

como saber o corpo
de uma mulher:

no Brasil,
trinta        e            três
homens
estupraram uma mulher.

ainda, no Brasil, a cada
onze minutos
uma mulher
é estuprada

mas não fala-se
a respeito
parece natural.

como pensar um corpo

como saber o corpo
de uma mulher:

a cada ano, dois milhões
de mulheres
são vendidas

cada mulher custa
trinta     e                  cinco
dólares.

eu não estou
à venda mas

o que eu custo:
trinta      e                   cinco
dólares.

como pensar um corpo

como saber o corpo
de uma mulher:

apenas carne.

*

*

…………………………………..

*

*


Esculturas Musicais 11 – Lubi Prates

até só restar o depois
(sobre o dia 29 de abril, em Curitiba)

pudesse,
recordaria se havia sol
antes daquela tarde
quando tudo se resumiu a
cinza:

fumaça, um
quase

aquele estado de consciência frágil
entre estar acordado &
desmaiar.

pudesse,
recordaria o cheiro
antes daquela tarde
quando tudo se confundiu a

gás
pólvora
sangue.

recordaria quais eram
minhas atividades inúteis
antes de acessar a internet &
navegar entre as notícias

para descobrir o alvo
dos helicópteros que
sobrevoavam a cidade

destruindo
destruindo
destruindo

qualquer segundo
de silêncio

inibindo os gritos

pudesse,
eu recordaria o antes:

quando não havia escombros.

*

*

trinta e cinco dólares

um corpo que
estabelece o limite
com o outro

ser

um corpo que
é membrana e
ampara

a personalidade

um corpo que
guarda os escapes
da mente

assim como
o contrário:

tudo que acontece
no corpo chega
às camadas psicológicas.

como pensar um corpo
que é tocado
dominado
invadido

destruído:

é saber o corpo
de uma mulher:

mutilado
estuprado
vendido

na África,
todo clitóris
é cortado

para que
nenhuma        mulher
sinta prazer.

na África, também
as meninas                   ainda meninas
apertam seus seios

para que pareçam
meninos e
não sejam invadidas.

como pensar um corpo

como saber o corpo
de uma mulher:

no Brasil,
trinta        e            três
homens
estupraram uma mulher.

ainda, no Brasil, a cada
onze minutos
uma mulher
é estuprada

mas não fala-se
a respeito
parece natural.

como pensar um corpo

como saber o corpo
de uma mulher:

a cada ano, dois milhões
de mulheres
são vendidas

cada mulher custa
trinta     e                  cinco
dólares.

eu não estou
à venda mas

o que eu custo:
trinta      e                   cinco
dólares.

como pensar um corpo

como saber o corpo
de uma mulher:

apenas carne.

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