Comezamos novo ano e queremos facelo tamén cun nome novo, un nome novo que é promesa e realidade na poesía brasileira actual. Con estas esixencias, o de Luana Claro parécenos un dos máis axeitados. Entre otras cousas porque a autora é moi consciente de que a súa poesía nace e asenta sobre lecturas previas. Nesta altura, encetando 2021, é sumamente complexo querer escribir algo que non se teña escrito xa alguna vez nalgún lugar. Ademais a poesía de Luana Claro (São Paulo, 1994) lembra que escribir sen ler é cousa que só fan @s inxenu@s que cren posuír un mundo interior tan rico e excelso que por si mesmo é novidade. E non. Para nada. Nada se fai sen a lectura. A lectura previa resulta absolutamente imprecindíbel
De Luana Claro coñecemos Diadorim, publicado pola Patúa en 2017. Xa nos ten pasado con anterioridade divulgar poetas cun único título publicado, e mesmo temos divulgado sen a existencia dese primeiro título en papel. Ben, no 2020 foi secleccionada por Urutau para un libro de colaxes e poesía: Construção, así que en puridade non é autora dun único texto.
De primeiras, a poesía de Luana Claro pode que non a entendamos na súa totalidade. Non a entenderemos na súa totalidade a menos que nesa lectura contemplemos con moita atención o plano estético, o plano formal da súa escrita porque é algo que para Luana ten especial importancia. Só entón podemos acceder ao significado completo da súa poesía. A súa poesía que, finalmente, é un modo de ser. O cal significa que non escribe poesía, vive esa poesía antes de escribila e tamén despois. Velaí o sinal que indica para unha autoría moi a ter en conta porque nunca deixará de ser poeta. Mais iso non significa que para ela a poesía tamén sexa revelación, revelación puntual dun verso, dunha idea, dunha poisibilidade a desenvolver; de xeito que a súa tamén é unha poesía evolutiva, que non se disolve únicamente no pre-mundo das lecturas previas. Nomes importantes para explicar a poesía de Luana Claro son a portuguesa Ana Luísa Amaral, a brasileira Angêlica Freitas ou o “hebreo” Amos Oz…e queda claro que non só le poesía, que o seu mundo é a literatura á vez que o seu propósito sempre é a comunicabilidade, por iso ilustra ela mesma os seus libros e reforza o que xa dixemos: o plano formal, o plano estético resulta fundamental, fundamental aínda que por veces pareza que a escrita non logra comunicar todo o que a autora pretende e por iso bota man da expresión plástica…e aínda así non hai garantías de que todo fique expresado.
Por iso, repito, lean a súa poesía con suma atención, demoradamente. Degústena na súa totalidade, lean e volvan reler. É fácil vivir cos ollos pechados. A poeta e a súa poesía conseguen que os abramos a cousas que poida que nos pasaran desapercibidas de primeiras.
Tamén cómpre dicir que Luana Claro é unha persoa que escribe desde o compromiso social. A xente é política, fai política en calquera das súas manifestacións vitais, sempre. Ela, como muller lesbiana e representante do colectivo LGTBI+, é moi consciente diso e esa é outra dimensión que non debe escapar na lectura dos seus textos. Uns poemas que, se se fixan, moitas veces recorren á seriación, van unidos un aos outros como procurando un macrotexto semánticamente máis completo e complexo.
Este é o seu Faceboook
Agora quedamos coa súa poesía.
(Na Ruido Manifesto)
o homem dilacerado caminha
a passos sofridos estende
o jornal e não lê, chora
tremelica suplica
não sou filho não sou pai
só quero morrer já fiz de tudo
todas essas palavras são inúteis
à noite o homem dilacerado sonha
com suas mãos encolhidas
que ainda vive e com rostos
que não são o de minha irmã
*
de repente ele começou a falar uma língua estranha. ninguém
podia compreender que diabos. uns sons frágeis e pequenos e sem forma,
*
certo dia ele sumiu. por onde saiu, não se viu. pudera: estava tão pequeno
que mal podia enxergá-lo,
*
é difícil acreditar, mas acho que ele voltou. diferente,
ele não é mais o homem de antes. agora ele cabe dentro
de uma gaiola, continua a emitir os sons frágeis,
*
pardal-de-java
pássaro-do-arroz
olhos familiares
*
convencionou-se abolir as gaiolas
concordou-se que eram demasiado
desumanas
assim estabeleceu-se a rotina do homem
fitar o ambiente com estranheza
emitir eventualmente seus piados
mais comunicar-se com os olhos
de cabeça de alfinete do que com a língua
da qual gradualmente tornou-se um estrangeiro
*
o que importa, entretanto, é em qual língua ele sonha,
*
num raiar de agosto notou-se constatou-se
o desaparecimento total do homem
acredita-se que ele pode ter continuado
a diminuir até o fim
acredita-se, especialmente, que ele voou
para o mar do qual nutria imensa saudade
acredita-se
acredita-se
*
e despeja teu canto genuíno
como se o último fosse
uma vez que não se sabe
toda palavra é por sua vez
ela mesma última
…………
Anuário
falar dos falecimentos
e dos acidentes
sobretudos dos falecimentos
que são resultado dos acidentes
graves
o inverso pouco interessa
*
certamente o conhecimento prévio
poderia nos salvar desse
ou daquele acidente
naquele ano nenhum avião grande
caiu na cidade ou no país
o toninho sofreu um acidente de carro
por sorte nada lhe aconteceu
tão somente por sorte
embora houvesse conhecimento prévio
do risco
a filha do português enlouqueceu
uma grande tragédia
mas não um acidente
seus gritos ecoavam pela rua
enquanto seu cérebro era comprimido
de dentro para mais adentro
mais do que um acidente
má sorte
e para esse mal não há mesmo
conhecimento prévio que preste
*
nem todo acidente é simultaneamente má sorte
nem toda má sorte é simultaneamente acidente
existem acidentes
que não passam de uma questão de perspectiva,
graças a deus
já a má sorte é unívoca, por azar
*
naquele ano houve certamente
acidente de toda sorte
a maior parte deles figurava
nas fotografias tiradas por roberto
que trabalhava na perícia
do estado de são paulo
amigo de arnaldo
que principiava alguma-coisa-de-acidente
na impossibilidade de palavra melhor
roberto recebeu um convite
que fotografasse o casamento de arnaldo
que não chegava a parecer uma tragédia
naquele ano
ainda
apesar do conhecimento prévio
que se tinha a respeito dos fatos
se alguém dissesse a arnaldo que ele
pouco tempo depois disso estaria
embaixo de um ônibus
pela morte de seu primeiro filho nascido
a motocicleta marcada pela dureza do asfalto
ele não acreditaria
na potência dessa alguma-coisa-de-acidente
embora esses acontecimentos não pudessem
ser organizados em causa e consequência
e lá se vão os anos
marcados pela dureza do tempo
e alguma má sorte
mas naquele ano estavam todos na festa
de casamento do arnaldo
e o fotógrafo de acidentes a procurar
o que poderia ser uma questão
de acidente ou perspectiva
ou quem sabe sorte
*
naquele ano morreu clara nunes,
após muitos dias em coma
*
o ofício de roberto se assemelha
à montagem de um anuário
capturar do acidente
o que sobra do acidente
do ano
o que sobra do ano
e lá se vão os dias
…….
o ruído da porta rangendo
ecoa vindo do fundo da mente
mesmo de olhos fechados
há o fato irreversível inegável
é preciso coragem
para encarar a entreaberta
porta seu feixe de luz
suas infinitas possibilidades
e da minha visão
metade é escuridão e
metade é amanhecer e
muito me faz falta a fé
para crer sem ver
nos contornos do invisível
*
hoje quase peguei o ônibus errado duas vezes e isso
invocou em mim as ruas labirínticas da cidade
em que o céu se desmancha
em escuridão nascente
a confusão que fiz com os nomes
não será perdoada
a memória anda ruim para coisas boas e pequenas
repentinamente a pequenez das coisas é o que importa
as pequenas ruas da cidade
penso no átimo que existe entre o acerto e o erro
em como posso entender os meandros do tempo
quem sabe pegar o ônibus errado
numa viela qualquer esbarrar no grande maléfico
entender os desígnios do invisível
compreender o que seus contornos me mostram, por fim
ah, como queria poder colocar
o coração no bolso
me desaparecer de mim
numa viela qualquer
*
o tempo constrói lentamente
um monumento entre nós
seus meandros são um mistério
tua figura solar se delineia contra o desconhecido
tua figura solar encarna por vezes o inexplorado
em que lar repousa teu pensamento
e quanto perdeu-se de ti
pelas veredas que a muito contento
teus olhos vislumbraram
de mim, quanto havia em ti
do meu amor,
quanto ficou pelo caminho
quanto ainda resta
quanto é necessário
quanto havia no teu pensar
quanto havia na tua ideia de lar
quanto havia na tua volta
tua figura solar me faz lembrar
dos pássaros, do pássaro que parte
para norte ou sul, indelével
e que nunca é o mesmo quando volta
*
lembro quando pequena
da jaqueta vermelha
ou era amarela?
tingi minha intenção
de azul anis
era apenas mais um corpo
na cidade do sol
mas minha vontade era púrpura
e meu desejo, vermelho
lembro da camada que por costume
sucessivamente depositamos
sobre a parede da memória
era amarela ou verde?
………………………….
(Na Gueto)
menina
vem aqui colocar um brinco
não é assim que se brinca de
menina
já te disse, fecha as pernas
ou sofrerá duras penas de
menina
não fala desse jeito não ou te
dou um safanão pra aprender a ser
menina
*
escuta o que digo
não sou bonita
quando estou rastejando
por vida eu não sou
quando o sol nasce,
não sou
quando se põe
não sou também
quando deixo de prestar
atenção a toda ficção,
não sou também
quando me abandono,
não sou
não espere nada de mim
*
é infeliz que não se
ensine em lugar algum
como vencer o próprio corpo
como vencer o peso do próprio corpo
……………………….
(Na revista da USP Opinaes )