Hai tempo que quería escribir sobre a poesía de Natália Agra. O Brasil conta cunha extensa nómina de mulheres poetas, poetas novas en idade e tamén en irrupción de forte impacto, que permiten dicir que a poesía feminina no Brasil goza dunha extraordinaria saúde, goza dun presente esplendoroso e convídanos a agardar un futuro de grandísimo nivel poético. Ao longo destes artigos de divulgación poética da poesía de muller brasileira, pode comprobarse ben porque en todos estes meses non son poucas as poetas divulgadas (e aínda non rematamos, aínda hai máis). Son consciente de que moitas veces @s poetas vense obrigad@s á autoedición para darse a coñecer, ou ben editan en pequeñas editoras, mais iso non merma o seu interse poético, todo o contrario: indica que aínda hai un intenso labor de divulgación pendente porque se trata de poetas de moita altura.
E o nome de Natália Agra, no meu parecer, brilla coa luz propia da excelencia poética. Tardei tanto en escribir sobre ela porque quería ofrecer o maior número posíbel de poemas seus. Lamentabelmente non logrei atopar máis, porén esta mostra que despois lerán é suficiente para testar nela a gradísima poeta que é Natália Agra. Para comezar, fíxense nos diálogos que os seus poemas establecen con otras autorías (non necesariamente recoñecidas como relativas á arte poética), iso indica un proceso de reflexión intenso, previo ou posterior á escrita do poema en cuestión, iso tanto ten; mais tamén indica que a mesma autora é consciente do valor e altura da súa poesía, pois dedicando a nomes ben coñecidos os seus poemas é ficar na neutralidade do quero e non podo ben intencionado pretencioso mais mediocre; porén non é así, os seus poemas brillan co esplendor que só @ ourive pericios@ sabe imprimir ás súas obras (verbais neste caso) até lograr pezas comprábeis só a si mesmas. E non se trata sempre de persoas ou autorías recoñecidas, tamén hai outros nomes que interpreto pertenecen ao mundo dos seus afectos ou polo menos son xente que coñeceu e a impresionou por algún motivo. Isto que dicimos non singulariza a súa poesía restrinxíndoa a un universo de comuñón particular, íntimo, ocasional e particular. Todo o contrario, singulariza os seus poemas como textos concebidos para o diálogo, diálogo poético, diálogo de ideas, diálogo de afectos, dialogo de impresións…singulariza os seus poemas como textos pensados/creados tanto para os demais como para si mesma.
E logo vén a pericia poética que nos obsequia en cada poema. Nada hai que estea de mais e nada hai que falte. Utiliza recursos tan difíciles de usar ben como o adxectivo; o adxectivo ben usado é unha marabilla imprescindíbel; o adxectivo mal empregado é unha palabra absolutamente prescindíbel. E dimensiona os seus poemas no espazo de xeito que obriguen á relectura ou reflexión fonda. Nos seus poemas, cada verso é en si unha unidade de beleza, traballado e esculpido con amor e pericia até lograr unha perfección única.
Natália Agra, 33 anos, tamén é editora (Corsário-Satã e tradutora. Mora en São Paulo e publicou no 2017 De repente a chuva (Corsário-Satã) e tamén Fotogramas (o silencio possível) (Megamíni, 7 Letras, 2019), tamen probou na literatura infantil (Os balões de Nise, 2019) e é editora da revista ( con Fabiano Calixto, sen compañeiro vital e tamén poeta, Rodrigo Lobo Damasceno e Tiago Guilherme Pinheiro) Meteöro. O seu último libro é Noite de São joão (2020) e organiza con Maíra Mendes Galvão a versión paulista de Poetas de Dois Mundos.
Esta é a súa poesía.
A gozar!
(En Ruído Manifesto)
Noite de São João
Para Emanuella Helena, que se foi cedo demais (in memoriam)
Yesterday the sky was you
And I still feel the same
Billy Corgan
permanecemos aqui
anestesiados de imenso
frio nesta noite de São João
regressamos pela manhã
lareira ainda quente
aquecida pelo canto da cotovia
muito de nós dois
pelos cantos fechados da casa
o quarto vazio e seus brinquedos
enquanto você esteve aqui
ocupou com pequenas palavras
as borboletas
*
Pavana para minha irmã morta
assim vives em mim, irmã, singela
pulsas em mim como a visão mais bela
entre rosas sepultas e queridas.
Orides Fontela
definimos nossos caminhos em silêncio
(passo a passo)
no caleidoscópio
tropeçamos
no orvalho veloz da tua ausência
contemplamos
cresceram sobre ela quatro pétalas
*
Alejandra Pizarnik
teu nome, impossível primavera
canta furioso
com uma só pétala
a música que toca a pele úmida,
ausência
repousa nas mãos das nuvens
teu corpo
sobre a água
apenas teu nome
emana
flores
flora
cornucópia
*
Augúrios
Para W. B. Yeats
o mundo não está mais em bom estado
cada um enterra o que é seu
cada morte escolhida
oculta o restante
nem as prateadas maçãs da lua
ou as douradas maçãs do sol
sobrevivem ao mistério inquietante
o mistério no pouso do corvo
a floresta desesperada de sangue
a flauta, onde, na densa fumaça,
flutuam seus ossos
no acaso longo da vida
nada pode impedir
o perigo do agora
mesmo que tudo,
de algum modo,
tenha um espectro trágico
calo os tempos difíceis
com a mesma nuvem
que resiste à violência
*
O sétimo selo
lá está a morte
reconheço seus ossos
……………………………………….
(En Ruído manifesto)
O mistério do pavão
Para Kurt Cobain
um misterioso pavão
) cauda aberta em borboleta (
num movimento de bailarina
avança sem grande esforço pela colina
num colorido e vagaroso sui
cí
dio
*
O trem
Para Torquato Neto
às três da madrugada
penso que o trem se esqueceu
de mim
mão gelada
louca disparada
– seria esse o meu fim?
*
Poema do infinito
Para Fabiano
tâmaras maduras em teus quadris
corpo em flor de anis
escapa vivo num torso místico:
todo o profano
Aruanda é aqui
nesta cama
o tempo, naquele instante
um tear
vislumbrando no outro a própria estranheza
(carne e cios duros)
castelã com unhas de gatos
costas arranhadas
hímen e rins como animais em asas
falena volteia erguido libertino
não coma a borboleta
(veneno e lua lambem a mesma boca)
sinédoque doce Shiva
num toque de chuva
abraça vísceras sem palavras
por último, lâmina-lança
bruta serpente calada
(Aruanda, nossa eternidade)
éter, clarim
todos os sentidos
chama
e chuva
*
Nos teus olhos todas as fases da lua
Para Letícia
1.
o planeta vermelho que de perto
é um balão voando
na altura dos meus cílios postiços
em atrito dá efeito
de borboleta na balada já cansada
torres transparentes de tequila
torres vermelhas de vinho tinto
e lá no fundo você
extraindo da moldura a carne pura
na manhã seguinte
o olhar fechado
o corpo em ressaca
a memória uma torre de vidro
neste mar de valsas-ondas
2.
a maçã e sua anorexia à mostra
estranho exemplo
a boca preenchida de carne
os olhos gotejam no balde
a liberdade melancólica da lua
sempre só
num silêncio-móbile
que Patti Smith canta:
você seria uma asa no céu azul
em sua escuridão
finally we are no one
pergunto-me se isso não seria o fim do horizonte
o espaço e suas maçãs tão vermelhas
saturnos
giram
e
giram
it was beautiful!
it was beautiful!
…………………………..
(En Poesia primata)
SILÊNCIO
a casa estava tão vazia que dava para ouvir
o tique-taque de três relógios diferentes
FOTOGRAFIA INVISÍVEL
Para Inês Dias
ouço um
barulho que
vem de
dentro da
porta que
toma o
corredor como
se florisse
o velho
prédio fantasma
um piano
lá longe
bendito o
oculto que
faz do
céu a
respiração forte
das harpias
a música,
curva que
não vejo
refletida nos corpúsculos
…………………………………..
(Na antoloxía Uma alegría estilhaçada)
Almost blue
Para o Roberto
divido com ele o café melancólico
polly jean diria que ele está exposto como uma estrada aberta
leva o mundo com o voo no peito
respira fundo todo o espetáculo do silêncio
quando tratamos da vida moderna
chegamos à conclusão de que o futuro
este fracasso de gerações
não merece mais o nosso cuidado
mas concordamos que os jovens são tão bonitos
em sua harmonia alienada em volta da piscina
juntos, evitamos decifrar os suicidas
e deixamos o livro sempre aberto no precipício
ele também fechou os olhos do seu pai
e observa gringos cabeludos e sorridentes no
trapézio da tragédia
cantando zombie
se eu pudesse descrevê-lo em uma imagem
o desenharia à mesa, às 8h da manhã
enquanto todos embaixo de 32 andares
correm atrasados
ele está sentado, com seu suéter de outono
ouvindo o barulho que só o café faz na xícara
como poemas que se evaporam antes de chegar ao último verso,
ele está ali, a sós, fumando em paz o seu cigarro
…………………………..
(no Pensador)
In the mood for love
I
como hei de dizer poesia?
o toque fino nas costas
do desenho abstrato
nasce uma orquídea nos dedos
II
os gatos nos distraem
se distraem
até que pegam no sono por nós quatro
III
eu gosto é de ficar aqui
com você
e os últimos desejos
namorados das estrelas
IV
a alegria nem sempre alegra
é aí que nos abraçamos e aumentamos o volume pela casa
já é tarde, no outro dia
você diz que meu sorriso desnuda o seu
V
decoramos a casa
com os nossos beijos
e muita bagunça na cama
VI
você me deu a sua máquina de poemas
eu te mostrei o meu maior segredo
você se esconde dentro de mim
VII
na rua
espalho a multidão
deixo você passar
e parar quando quiser
caso queira, vejo contigo as vitrinas mudarem de estação
aliás, vemos a chuva, a rua molhada, a luz da noite derramar na chuva a luz da lua
fazemos a chuva parar
e voltamos pra casa
VIII
do olho mágico
te vejo sair
e te espero voltar
IX
o que me deixa mais feliz?
o fim da noite
quando no teu peito
sinto o teu coração bater
e respondo, noite bem!
X
estamos no segundo inverno
aquietando a chuva
na rosa mais vermelha do coração