Laura Liuzzi naceu no 1985, no Rio de Janeiro. Coñézolle tres poemarios:
2010 – Calcanhar (7Letras)
2015 – Desalinho (Cosac & Naify)
2016 – Coisas (7Letras)
Tamén participo una antoloxía de Adrana Calcanhotto É agora como nunca. Antologia incompleta da poesía contemporânea brasileira (Companhia das Letras , 2017), e forma parte, entón, das voces máis interesantes da poesía brasileira máis nova. E, a verdade é que hai un poderosímo motivo para incluíla neste selecto grupo. Non se trata dunha poeta esteticamente virtuosa ou especialmente inclinada cara ao aspecto formal da poesía. Non. E que conste que o que dicimos non significa que a súa poesía sexa formalmente pobre; nin moito menos; precisamente, un dos posíbeis ángulos desde o que estudar a poesía de Laura Liuzzi que se nos ocorreu…foi xustamente ese…porque parece que a xente se fixa moi pouco nesta dimensión da súa poesía.
Porén, escoller ese posíbel ángulo, sería desatender o principal motivo polo que a poesía de Laura Liuzzi se singulariza, toma identidade propia, se constrúe fronte ao mundo.
“Existe um hiato inevitável entre o pensamento e a realidade objetiva. E talvez a poesia seja a investigação dessa frincha.”
E velaí, nas súas propias palabras, unha concepción da poesía que eu quero chamar poesía especulativa. Poesía especulativa no sentido que nos fornece a mesma filosofía especulativa como arma para investigar a realidade. Até aí e non máis, porque esta poesía especulativa tamén é unha poesía da experiencia. Sendo desde a experiencia que se deriva a especulación, toda vez que a realidade non deixa de ser un mundo fronte ao cal a estrañeza é a reacción máis común, máis común na poeta, na poeta e na xente, e na xente lectora.
Desde xeito, a poesía de Laura Liuzzi funciona como un espello que nos devolve a realidade, mais unha realidade na que hai cousas que non agardabamos, que non esperábamos. Ábrenos os ollos ao abismo do coñecido que non coñecemos. Dalgunha maneira, a poesía sempre é un abismo.
É neste sentido que eu falo de poesía especulativa, non no máis común nas letras “castelhanas”, onde por poesía especulativa se vén entendendo unha sorte de poesía de ficción científica.
Laura Liuzzi tamén tivo moito eco mediático cando na Festa Literaria Internacional de Paraty, en 2016, cando ridiculizou o presidente interino Michel Temer, deixándoo como un poesta ben ruín, de igual menira que é un político tamén ben ruín. O que fixo Laura foi ler un poema de Temer, sen dicir a autoría, e revleándoa só no renate e no sentido xa dito. O poema de Temer era este:
Por que não paro?
Por que prossigo?
Por que insisto?
Por que lamento?
Por que reclamo?
Por que ajo?
Por que me omito?
Por que desabo?
Por que levanto?
Por que indago?
Por que questiono?
Por que respondo?
Por que este infindável
Por quê?
A conclusión de Laura Liuzzi, totalmente lóxica. Non é?
Imos coa súa poesía, esta vez non indicamos o seu Facebook, vito que o ten bastante inactivo
( Na Seleçao Hypennes)
GRAVIDADE
Não são os meus pés na areia
nem a insistência das manhãs
é a interferência da saudade
e um homem sentado na franja da praia
tremelicando
é o silêncio das ilhas fixando o oceano
distraindo essa inevitável vontade de escapar
é o andaime erguido na frente da janela
saída de incêndio ou emergência –
você era o meu ponto de fuga
um anjo disfarçado
meio curinga
com perigo de correnteza
e se eu me arrastar
vou te dizer que sou um transatlântico
inabalável
altiva, com pálpebras pelo meio dos olhos.
Não são os meus pés na rua
eu te garanto que navios não têm pés.
É uma alma de astronauta.
……………………………….
(Na Piauí)
AUTORRETRATO
Como pode água nascer
de pedra
como pode, posso eu
também ter matéria
grave e intransponível
conjugada a esta outra
transparente, irrepresável.
Basta um olhar à fotografia –
o bebê no colo
o papel envelhecido.
Ao mesmo tempo que um avança
somando anos
o outro recua, mais antigo.
Quando as tardes pareciam
maiores
quando o fim do dia
era o fim do dia
quando tatuagens não eram
para sempre.
O tapete da sala era branco
e peludo, parecia um bicho
depois da ração diária.
O sol entrava geométrico
e, espremendo-se entre as grades
desenhava escarpas
onde eu me deitava
junto ao bicho.
Eu fechava os olhos
para ver as cores no escuro.
Só o que morria era inseto.
Sorrir nunca foi fácil.
Cresço com a boca miúda
e ainda não gosto de piadas.
Conservo a interrogação
quando de frente ao espelho:
como pode ser tão diferente
o frontal do perfil?
E me pergunto, desde lá
se todos enxergamos as mesmas coisas
se a língua não é tão só
um mesmo código para coisas distintas
se entre mim e você
não há um abismo sem solução.
O que sei é o que não sei
sobre projetos de futuro.
E mesmo assim escrevo cartas
(funcionam melhor que espelhos)
para meu próprio endereço.
Me respondo como se já tivesse
arquivado toda a memória
e pudesse confortar
confrontar o porvir.
Quando escrevo me passo a limpo
sem riscar as imperfeições.
A infância ainda gravita
em mim. Não só
a minha, mas outras
que vêm com músicas
sub-reptícias, por um atalho
por onde atravessam
com a velocidade
incalculável
do tempo.
Dar nome às coisas:
primeiro passo torto
até que se deseje
as coisas puras
sem auxílio de som —
a rosa única
a pedra que se sabe pedra.
Segundo passo, falho:
inominar.
Nos retratos guardamos nos olhos
o vidro dos olhos do gato
a cama ainda desfeita
a última tempestade
e o escuro do que virá.
[Colher nas mãos o que
das mesmas mãos se extinguiu:
pedra papel tesoura.]
…………………..
SOBRE UM LIVRO
Ler à noite
nesse quarto
à meia voz
metade som
metade sopro –
emprestar vida
ao livro
antes morno
sem rumor
deixá-lo que use
minha voz
me surpreenda
a cada linha
de língua inglesa
até que desalinhe:
ondula, angula-se
dobra a curva
e desaparece.
ARQUITETURA
com o pensamento em Franz
Kafka
Encapsular o inferno
numa tarde sem mais
de Praga. No entanto
era ele quem deslocava
a cidade para a parede
incalculável de seus olhos.
Auscultar o pântano
de sua razão intranquila
até que nenhuma ponte
se arme para nossa passagem.
Inventar entradas falsas
(entrar sem sequer ter saído)
traços pontilhados, estradas.
Procurar praças estações catedrais
como um cão sem faro.
Como um cão fora de si.
Alcançar o fio cego do horizonte
por algum túnel longíquo
incomunicável; abastecer
o teto mais que o chão.
OUTRO
Perdi meu senso de urgência.
Não sei se foi antes ou depois
daquela lambida, seus anticorpos
e o meu corpo no que ia
submergindo, derrubando as traves.
Qual o meu interesse
qual o quê eu não sabia
essa casa está doente
e o tamanho da minha mordida
até que todo o mar congele
não será maior que qualquer estrada.
Aqui dentro não há mais vaga.
Aqui dentro não há mais nenhuma vaga.
Perdi mais objetos que encontrei
e agora a maior parte deles
existe sem os nomes que lhes dei.
Volto à sua língua, sua lambida:
corta, abre, costura e fecha.
ORQUESTRA
Não há cortina
para esconder os músicos
nem mesmo a música
se esconde nos instrumentos.
Está tudo aos olhos da platéia
porque a sinfonia não se pode ver
senão nos gestos do maestro.
À minha frente, antes do primeiro
comando, pode estar o violoncelista
em terno preto, como muitos ouvintes.
Quando se sentam os músicos
cada um em seu tempo afina
seu instrumento e acerta a folha
da primeira sinfonia: confusa algaravia.
Então vem o regente
sob uma saraivada de palmas
com sua vara de condão.
Os músicos ajeitam a coluna
alisam os traços do rosto
e encaram o maestro
que, com dois olhos apenas
cruza com todos que têm nele a mira
buscando a confirmação
de que pode começar.
Tão logo soerga
a batuta e soe
o primeiro acorde
ouve-se, milagrosamente, o silêncio.
VONTADE
Entrar em casa sem que a porta
rangesse, sem que o cachorro
da vizinha farejasse minha vinda
sem que o sofá conservasse as
formas do meu corpo, sem que
eu precisasse tomar aquele copo
de água que toca o azulejo e emite
um som rouco, sem que houvesse
corpo. Entrar em casa como
a música entra nos ouvidos.
PONTEIRO
Não é o tédio da falta
do que fazer. Não é
ansiedade (a noite
não promete nada
além de uma dúzia
de guarda-chuvas).
Não é minha mão
testando o calor
do fogo nem sua
mão tocando meu
seio. Não é o pulso.
Não são as cordas.
São vacas gordas
e preguiçosas
calculando a seca
da maré. É uma
fruta que apodrece
aos olhos de ninguém.
É o êmbolo de uma
cafeteira forçando
passagem. São os
gases flutuando
no espaço. Tem a
forma de um
palmito e despetala.
É agora como nunca.
RETRATO DE SZYMBORSKA
Mesmo com os olhos
semicerrados
nota-se, atrás da nuvem
do cigarro
na leveza dos ombros
e pescoço esguio
na colher que descansa
sobre o pires
na dobra folgada
da manga da camisa
nos livros apoiados
sem pressão
na estante e na estante
quase vazia
atrás de si, ela
moça arguta
que sorve o mundo
como quem sorve
por hábito
o café.
SUCESSÃO
1.
Nota-se a instalação do tédio
no modo como os dedos do pé
se encolhem como minúsculos
animais marinhos à suspeita de
visitas. As almofadas parecem
zangadas e o jornal não tem
modos a essa altura da noite:
se esparrama, não deixa espaço
para o que não é notícia, embora
não haja assunto para preencher
o vazio que a música deixou
ou ao menos sobrepor-se a
o peso dos pequenos rumores
dos corpos na sala: a respiração
que não cabe na boca; os estalos
dos ossos acordando no sofá.
Ninguém parece ouvir lá de fora
as baforadas das ondas na praia
o esforço de gravidade da lua.
2.
Silêncio não é ausência de som.
É uma sintonia dos ruídos tal
que eles não se distinguem uns
dos outros. Se transparência não
é ausência de cor, mas passagem
da luz, silêncio é a passagem do som.
3.
A noite esconde o mar que esconde
os barcos que esconde os marinheiros
mas ninguém tem os olhos fechados.
Todos se espreitam e se ouvem
sem sabê-lo. Os livros aparados
na estante dizem o que dizem
quando estão fechados? Estariam
apenas em silêncio?
Não há palavra que toque a coisa
mas há palavra que a invente.
Atravessar o vazio da sala de meias
pode ser a solução para vencer
a âncora desta noite porque todas
as noites parecem não ter fim
até que venha o sol anunciar
que nada é tão complicado
quanto parecia. O dia sucede.
( En MÁQUINA DE ESCREVER)
DE UMA MANHÃ
A praia sob a bruma
na primeira hora de luz
é um Turner improvável.
Não teria esse véu gris
sobre a baía que desperta
plena de certezas e pulmão
se não se ouvissem os bugios
no coração fundo da mata
a sugar a noite sem o mel
do dia, seca e sólida
arranhando a garganta
ancestral que anuncia
que quer nascer, quer nascer.
…………………………..
(Na 702)
“Coração sobre cama”
“Se de repente acordo
é madrugada
surpreende o coração
descansa sobre os lençóis
exausto
não tenho sede nem sono
e nem mais coração.
Se acordei e é madrugada
era pra ver você
que não está nesta cama.
Enquanto canto bem baixinho
os batimentos desaceleram
lentamente, quase imperceptível
até a voz sumir entre os lençóis.
Esperaremos a manhã
o coração e eu
e os jornais o carteiro as babás
colocarão as coisas no lugar:
o coração no peito
você à distância
os lençóis na lavanderia.”
…………………
(Na UAI)