Juliana Krapp: a atmosfera entre a poesía roubada e a poesía analítica.

Porxmeyre

20/09/2020

En primeiro lugar debo dicir que as noticias que de Juliana Krapp (1980) teño non son moi actuais, na internet non atopei nada máis actual, creo que é de 2014 o máis e algún texto de 2018. En segundo lugar debo tamén dicir que, aínda sendo poeta inédita en libro, Juliana Krapp non pasou despercibida, antes ben os seus poemas foron bastante comentados e mesmo chegou a figurar en antoloxías (por sinal Uma pausa na luta, de Manoel Ricardo de Lima; e tamén está presente en Otra línea de fuego. Quince poetas brasileñas, de Heloísa Buarque de Hollanda), sinal de que o seu non é un nome calquera. En terceiro lugar, e tendo en conta o contexto ou deriva poética actual, quero dicir que, se escollín a Juliana Krapp para divulgar a súa poesía esta semana é porque me parece que a súa poesía constitúe unha aposta novidosa e vangardista nun momento de especial desnortamento. Explícome, nos útimos anos vense comprobando (tanto na Galiza como no Brasil e en máis sitios) unha tendencia a facer pasar por poesía o que en realidade é prosa poética. Desde o meu punto de vista, se toda a novidade ou vangardismo que se pode acarretar consiste en esquecer as limitacións espaciais do verso…pequena novidade e pequeno vangardismo temos aí.

Fronte a isto, a poesía de Juliana Krapp ofrece un vangardismo moito máis poético. Representa unha evolución poética moito máis consistente. Esa evolución consiste en crear un clima lector nos seus poemas. Iso si é algo novo, a creación de clima lector é algo máis propio da prosa, require espazo e tempo para ser creado. Mais Juliana é quen de facelo na poesía. Certamente os seus poemas non son precisamente breves (con algunhas expecepcións que, a pesar de todo, tamén crean clima), certamente, mais o clima creado, a atmosfera, son plenamente poéticos e, polo que eu puiden ler, ten moito que ver coa percepción do mundo e coa repercusión que esa percepción provoca na voz poética. Hai aí un mínimo considerábel de estrañamento, mais non chega ao desasosegó fondo e perturbador.

Tamén hai que dicir que Juliana, no que é a poesía brasileira de muller, non é a única en botar man deste recurso. Como fomos vendo nesta serie de artigos dominicais acontece con máis poetas, de aí que debamos tomar esta forma de poesía como un vangardismo moi instalado xa na poesía brasileira. Trátase de substituír o impacto lírico (máis propio da bevidade) pola creación de climas, de tonalidades, que obriguen a quen le a reflexionar. Obviamente os recursos sintácticos son moi empregados neste tipo de poesía, e tamén as solidariedades léxicas (ás veces sorpresivas), e tamén xogos co ritmo expositivo (encabalgamentos, paralelismos etc…). Mais isto é só unha primeira aproximación formal  a este tipo de poesía. A nosa finalidade é a divulgación, aínda que non poidamos obviar certo pouso de teoría crítica na presentación das poetas e a súa obra.

Non sei se a estas alturas a poesía de Juliana foi recollida xa en libro(s). En todo caso debría selo e sería unha estupenda noticia se así for. Non en van o seu poema “Límite” (vostedes poderán lelo na selecta que vén despois) Ricardo Domenck (poeta tamén) escolleuno como un dos mellores do primeiro decenio deste século. Ricardo Domeneck, estimábel poeta e divulgador, (Rocirdra Demencok) chama a este tipo de poesía lírica anlítica, e concordo absolutamente que é unha etiqueta, un rótulo literario moi acorde e ben traído. Lean aquí a súa anáilse da poesía da Juliana.

É necesario engadir que, en palabras da propia Juliana, a súa poesía é puro instinto de roubo, que ela non considera nin ser autora pois sempre recolle a súa poesía do exterior ( do que ve, do que escoita, do que acontece e como son as cousas no seu redor…). Ben, adivíñase aí unha captatio benevolentiae, mesmo unha humildade moi a ter en conta á hora de estudar a situación d@ poeta diante do mundo, que é o que reflicten as súas palabras, toda vez que a súa poesía é comunmente demasiado elaborada como para xurdir nun momento, require moita elaboración, moita elaboración para darlle forma, e iso é traballo poético.

Expliquémonos un pouco máis. Na poesía, o procedemento habitual consiste en partir da análise para transmitirnos algo de forma sintética. O que Jualina fai (lembremos as súa poética) é xustamente ao revés: pártese de unha percepción, algo sintético, para tratar de explicalo ou comunicalo e esa explicación ou comunicación é pura análise.

Desde que comecei esta serie de artigos con Alzira Rufino, atopei que este proceder é bastante común ou xeralizado na poesía brasileira de muller. Tampouco son eu experto coñecedor da poesía brasileira. Vou aprendendo.  Mais nunca vin que se apreciara nel o que ten de novidoso ou vangardista.

Precisamos, xa, Juliana Krapp en libro. Unha edición antolóxica da súa poesía, debidamente analizada no que ten de anovador, paréceme de extraordinaria importancia.

Para quen queira seguila, este é o seu Face.

Recollín a súa poesía fundamentalmente de revistas on-line. Na selecta que vén a continuación procuro indicar a súa procedencia.

(En Canju, 2018)

Bandeira

Você pode recortá-la em tiras longitudinais

forjar fibras

e trançá-las em nós cegos à maneira dos marinheiros

criando cordas a sustentar roldanas

para verter água

dos poços artesianos e açudes onde também bebem

as reses quando não há seca mas

essas mesmas tripas

entrelaçadas podem constituir instrumento

de tortura ou de suicídio então se omita

caso perguntem com muitas delas

é viável fazer um feixe de fios torcidos arrecife

para delimitar os sulcos de lama

onde repousam dejetos de 100 milhões de pessoas

mais ou menos ou então você pode

deixá-la intacta

e insultá-la fazendo respingar sobre o poliéster

muito de seu próprio ego a arte

não necessariamente engajada apenas fluida

imaginação individual um teste

do quão longe é possível chegar

preservando o plexo de artimanhas subjetivas

em contato com o espírito do tempo você pode

enovelar muitas delas e fazer teresas

para o intercâmbio de cigarros e demais itens

de grande necessidade caso esteja na prisão

em algum momento dos próximos anos outra ideia

seria deitar sobre ela em dias ruins

deixar a marca da sua genitália

dedos engordurados o santo sudário uma mensagem

numa garrafa quem sabe um dia

alcance o futuro eles podem

inventar um cadafalso

de design avançado encimá-lo

com as cores do patriotismo nos espetáculos

de suplício talvez testar

novas dobragens para inseri-la

tal um barco em origami no útero das mulheres

fazê-la abrir velas tão logo se aproprie

daquele remoto interior

onde irá sempre lembrar

um souvenir de viagem você pode

usá-la como trama para mordaças

e cabrestos impedindo seus amigos de darem tiros

no próprio pé mas eles podem

sobretudo estirá-la no assoalho

onde fazem as execuções e então logo será a imagem

autêntica de um país pacificado a firmeza o arrojo

da pátria a acolher o imobilismo você pode

usar um estilete sobre base sólida para recortar as estrelas

e pregá-las na blusa à moda do Terceiro Reich

atestando sua impureza com os furos

na malha você pode replicar máscaras

de flandres algo inofensivas até

de certo modo carnavalescas não importa a intenção basta

o aproveitamento máximo dos investimentos o tecido

feito espinha dorsal

duma grande salamandra

que pode ser exaltada num feriado nacional

de adoração ao mérito

daqueles que se esgueiram sinuosos

em nome da família eles podem

usá-la como mortalha

que esconda as escaras os tiros os estiramentos

na pele de quem foi abatido

ainda criança eles podem

estendê-la sobre hectares de terra morta

restituindo verde à cenografia

capturada pelos satélites e tornada verdade

neste novo tempo o tempo

da bandeira

que tremula

sobre nós você sabe

do que estou falando

…………………………………………….

ATRIBUTOS

(en Formas fixas)

Gostaria de ser uma mulher
            que soubesse identificar um brocado
            uma cerzidura um carmesim um
            adorno
            em matelassê

            No comércio
            a palavra aviamentos me lembra
            de que há todo um reino de malícias
            que desconheço
            – penso
            não em ilhós
            mas em aves aquáticas
            artefatos explosivos

            Gostaria
            de poder dizer: vamos desenlaçar
            o cordão do meu quimono vamos
            providenciar castanhas doces
            para o grande banquete
            e nos deitar sob o dossel à espreita
            das comissuras
            que ardem na pele

            Porém
            eu estou atada
            ao mundo da sonolência
            e das cintilações breves
            da louça quebradiça e da mixórdia
            – ao lugar
            das mulheres e bichos
            que se espatifam n’água

………………………………………

(en Diversos afins)

casa

no teto um alçapão
madeirame entrecortado de conduítes
onde o escuro nasce
e os ratos passeiam

a noite exibe as evidências
não há fantasias não haverá mais
reviravoltas possíveis
sobre nossas cabeças sob a cumeeira
….em casa
…….vibra
a clausura dos ratos

não estão em nós
….– vivem além
de nossos crânios
à revelia
dos emaranhados de beleza ou pavor que se enroscam ao sono

entretanto nossas coisas são suas coisas
e delas fazem ninhos
onde se embaralham
e proliferam

sobre nossas cabeças
sem asas sem remédio
respiram conosco
……….guincham
e permanecem

não estão como nós
…..baratinados
porém sua verdade
é nossa verdade – mesmo eles
……..têm um corpo quente
……..a carne magra o esqueleto oblíquo que guarda um único coração
……..exausto ao cair da manhã

mesmo eles
morrem e então fedem
sobre nossas cabeças

quando isso acontece
em alguns domingos
abre-se a portinhola
e a pá retira do escuro um volume flácido
..– a infância estranha
…a falta de sangue

à noite voltamos a mergulhar
juntos
na viscosidade cada um em seu avesso
da casa apartados
pela irmandade impossível

um pai uma mãe tentam ordenar
que torne surdos os ouvidos
que estanque a todo custo
a corrosão da pureza

querem dizer
que há simultaneamente
o alheio que é o do outro
e o alheio que nos é
indiferente
…– ante a opressão das paredes
…..sobre nossas cabeças
…..a alteridade se excita

os ratos passeiam
e vem a época de nos caírem os dentes
estranhos inexplicáveis núcleos sem dor
que precisam ser jogados para o alto
para o teto da casa
como indica
a etiqueta doméstica
e o folclore desta parte do mundo

ainda estão úmidos
mas não parecem
saídos de uma boca
…– talvez de uma fenda ou concha de alguma
…..cavidade morta

serão lançados
à zona secreta onde agora prevalece
o silêncio
após o êxtase desconhecido
……– e para sempre irá nos assombrar a extravagância
……..dessa inútil oferenda

***

tipografia

às vezes
em geral domingo
eu o vejo: coágulo
escuro massa estanque que se instaura
pedra singrando
ao redor da qual o dia vai crescendo
e apodrece

porque no centro da verdade há um viço
e eu olho simplesmente olho impossível não reparar camada
após camada a casca reluz seu calcário arregalado e já não somos mais
eu e você mas sim espessuras
singulares silhuetas de arvoredo passando em velocidade difícil
distinguir as formas por trás do vidro quando somos apenas
duas melodias ou melhor duas
ênfases de melodia como se disséssemos sempre
um píer não é uma margem um píer é o ponto
de ver o estuário de esperar o espalhafato
com que a água ameaça a membrana que é este domingo um posto
de observação onde a ideia de arbítrio extingue os procedimentos
familiares a esta cama e você se torna fantasmagórico com sua espessura tão
diferente da minha já que estou só
com esse coágulo na mão uma substância órfã que aninho enquanto
temo o viço da verdade a mentira que não se insinua apenas passa
em sua marcha secreta um novo ponto agora talvez mais claro
não o coágulo em si só outra fruta
inútil apodrecendo na correnteza

***

Roteiro

O vaivém das galés contracenando com os diques
A emboscada da neve ao redor das vidraças
As nervuras da pedra
que enregelam o olho da atriz
– Essencial mesmo é o cenário
onde tudo acontece
foi o que ele nos disse
antes de partir

Arranje um lugar
para que o salto das feras
fuja aos radares
Para que as escarpas acobertem
a possibilidade do crime
– A cidade, muito ao longe
apenas reluz

Para contar uma história
uma savana
deve parecer um insulto:
arvoredos esparsos
sob o risco constante de incêndio
O incômodo do barro contrastando
com a arruaça da topografia

Uma nevasca
é sempre um bom começo
Por detrás da janela há uma garota
mordiscando o próprio coração
Um bicho dorme, uma tevê
silencia. A paisagem inibe os loops

Ou um lugar conveniente pode ser apenas
massa de negrume condensado
Um buraco no meio da testa
Uma angra escura
onde a sujeira
se enrodilha à superfície
e o herói morre
num tenebroso accidente

………………………………

 Pretexto

o olho da rua é seco, sarcástico
do mesmo gênero das abotoaduras
e toucadores

de tudo resta sempre o seu mistério virgem
a beleza de íris os ares encardidos a córnea
tal qual um diadema espavorido
sobre nossas cabeças

então ele cruzou a pista sem qualquer melancolia
e travou o zíper sobre a pele

publicado na Inimigo Rumor 17


Punção

campanários. isso sim é uma casa
não aqui
onde os objetos sequer conspiram
onde a pele não se reconhece pele
e não se engendra cápsula de outra cápsula
posse de um único mistério
com seu agravo inabalável. uma casa

requer formas como dormideiras
que se recolham à carícia quando todas as carícias
são íntimas é tão surrado reconhecer
nas paredes que a única propriedade possível
é a fuga e mais ainda o sono profundo e
que sobretudo os mais elaborados sinais de chuva
não passam de sentinelas
resfolegando seu passo de partida

esta casa
não é minha: não se alcança daqui o brejo
afetuoso ao fundo de todas as coisas
não se vê o fosso
translúcido extorquindo das frestas
as esquadrias

tampouco há cantigas
emudecedoras
quando as horas se constrangem ao toque
ou ao contato do antebraço
com o repuxo invisível do acrílico

nesta casa
(assim como em todas as outras)
só resiste a ânsia de um veneno
afogado
em seu desleixo por lãs e puxadores
um veneno tão debilitado e circunstante
inabitável
quanto a certeza de que há ainda
no mundo tanto tremor
por tão pouca terra

publicado na Inimigo Rumor 18



av. brasil

o que se salva aqui são apenas
os elementos construtivos:
condutores singelos
traço um para três
cornija

uma secura de mão doente
essa carne nunca sabe
o que é degradado e o que é
desterro
mas impenitentes as platibandas
arregaçam
o que reluz: intempéries
tomadas de assalto
pela ferocidade branca
de um clique

publicado na Poesia Sempre 20
…………………………………………

(Recollidos por Ricardo Domeneck no seu blog Rocirdra Demencock)

a estrutura íntima das horas


Acontece apenas no mar
de concreto protendido à beira
da estrada e apenas quando a estrada
tem algo de fogo
ensurdecedor:

um lagarto, osso
de candura, rompe
a respiração da tarde, penetra
em todas as substâncias — as rochosas
e as celestes, os líquidos escuros e
sua pantomima de espelhos

Enquanto tudo ao seu redor é ênfase
(profusão de tecidos
lancinantes),
o seu avesso
é puro vidro
ardoroso: quer partir
entreabrir-se em sulcos
lentos, desdobráveis

Você, ao volante, não percebe
mas isso tudo é como nós dois,
na Cinelândia, às cinco horas
de uma tarde de verão, com uma
caixa de alfajores e vontade de café, quando
há no ar algo de concha,
estiramento, zona cega: a experiência
do precipício


§

enseada

o ipê é como um ferro ele disse
as unhas pensas
no ardume da anunciação

sobre o rochedo
as têmporas afogueadas e o flagrante
da mandíbula irreparável do fim
da tarde (hóstia
em terracota)

nessa praia
as ondas enevoadas arrebentam o branco
……………………os barcos
desabotoam a precisão das linhas
…………e as ilhotas, desgrenhadas
…………atracam visgos de luz

…….aqui, onde

a barbárie já nasce seca
…………….em seus olhos
…………………….

propriedade

como artifícios temos apenas as asperezas
a corpulência cabível em pavios desfigurados
ou os 28 dias necessários
para que se cure
o concreto

carregamos
nas extremidades fissuras
irreparáveis
e, nos olhos,
a cor mirabolante dos abatedouros

mesmo assim

as corredeiras
as sirenes os personagens
estão ao seu dispor

e ainda esse aguaceiro

onde o entreaberto é uma doçura
de tão fundo



§


reta

um carro de praça como uma jaula
água
da qual preciso
para partir. vê-lo — homem
……………………embalsamável —
…….encouraçado pelas grades em flor
faro
na alameda escura
a dizer: aqui jaz
um coração abominável um
álibi amantíssimo
para essas dores
do desejo
……………………partir
…..exige animais vivos (o sangue
…………….secreto
………de uma ave noturna)
enquanto o ar reclama
as singraduras
de uma música
meramente informativa



§


armazéns


seria apenas a ausência impertinente de arredores
ou sua respiração de treva que oscila e foge
por debaixo da porta (a beleza
inteiramente desamparada)? mas este
cais de porto
é, de fato, uma chave.
suas nervuras e estalos
como fábulas
úmidas. (os agentes narrativos são incapazes
de identificar a estiagem
e o sinal dos tempos
nas amuradas). e ainda esta dor
selvagem ancorada às turbinas e granéis
ao maquinário rasgado em itinerários
de vapores e conspirações. a meticulosa
delicadeza da noite entregue
toda ao gesto de içar: originalíssimo
e escravo das circunstâncias.
(neste instante você segura a minha mão
e a põe contra o peito, temendo
a face invisível das embarcações) a água
que cresce como um germe negro ao redor, como
um calafrio inédito um
verbo inédito uma
presença quebradiça.
(mas o que é quebradiço
está morto? ou reverbera apenas
as manchas quentes de sangue no carpete?) você me diz
que sobre toda música incide uma renúncia
e mesmo este apito e enquanto diz
o horizonte reconhecível
assola de frios a linguagem
(é preciso, no entanto, reconhecê-lo em surdina
como se reconhecem nos álcoois
as rajadas de acalanto)



§


poética

o que é ferruginoso nunca será
corrosivo. quantas ideias
podem perturbar
esse lago sem vento? frutas
………….na superfície
em desacato
à delicadeza vamos
embora daqui você disse
….não
ainda há reparos a fazer, ainda
o lobo
que habita o fosso do poema
………………veja:
se contraio os joelhos
contra o coração
crio uma ponte
imprescindível — uma emboscada
para feras de graus variados, por isso
………….insisto
………….o ineditismo só cabe
……………….no factual, este alagadiço
ter em casa um corpo
tão sentimental a ruir
………dificulta amplamente
…..a execução das tarefas
………………respire:
….ar pródigo de terror
………….agora sim
………vamos
deixar escancarada
…….a cena do crime
— sulco escarlate
entre as pedrarias


§


fevereiro


Não seria mais possível o requinte do aço
escovado a tristeza mais ordinária a espessura
de um fôlego o atrito
…..¾ borracha irreversível ¾
…..Mas seria possível que
…..tendendo ao imagético manchado de
…..ruiva contemplação a manhã
ainda crispada de brechas

(uma oratória
imediatamente predisposta
ao rigor dos acontecimentos)

trouxesse as mãos em concha o sal
entredentes e uma vertigem
à qual se pressentisse a lógica desmesurada a tênue
miopia pousada no ombro tal qual uma fera
aspergindo o soro primeiro a fruta infindável a sede
que não tem mais para onde ir

……………………

Limite ( en Inimigo Rumor)


Sebe é um acúmulo de varas entretecidas
cerceando
por vezes sim por vezes não

eu sei
do esforço para persuadir
naturezas terríveis

simultaneamente
à graça dos perímetros
que permanecem estanques

(a dor de coabitar
tanto as frinchas quanto os
confinamentos)

Quando rarefeitos, os movimentos
aguardam mais do que a conclusão, preferem
o desdém e o resguardo
ou mesmo esse estalido
(um arquejo)
embalado
pelo embaraço hipnótico
das pequenas sombras

Somente as ventanias são de fato enamoradas
e apenas nelas alijam-se
as imundícias mais profundas

como somente os ramos
estraçalham-se e engravidam-se
num único carretel de músculos em escombros

(um aparelho de tensões
alimentado pelo ritmo
dos sumidouros)

………………………..

av. Brasil ( en Poesía sempre)

o que se salva aqui são apenas
os elementos construtivos:
condutores singelos
traço um para três
cornija

uma secura de mão doente
essa carne nunca sabe
o que é degradado e o que é
desterro
mas impenitentes as platibandas
arregaçam
o que reluz: intempéries
tomadas de assalto
pela ferocidade branca
de um clique

…………………….

ladeira da glória
Juliana Krapp


ele se erige como um pergaminho
em aliciante embaçamento
fazendo supor
que toda água já nasce escaldante
e, ainda assim, vibra,
a marteladas

hoje acordei
embalada por imperativos. mas foi ele quem inventou
esse cansaço labiríntico

e me trouxe aqui, com
a boca inflamada pela pressa
nos dentes, uma certa apreensão
— não por mordidas, mas por hálitos
categóricos

nele a ossatura se escancara a ponto de romper
com um estrondo a própria voz
e seu olhar apenas lembra
dobradiças, rosetas
cremones
e toda a sorte
de ferragens maliciosas

mas
entre nós estariam encerrados os dilemas
e as alíquotas
caso não houvesse
no trajeto do plano-
elevado que leva a essa igreja
imaculada de tão breve (pavimentos tristes,
vidros urgentes)
um esgotamento
ávido por pontas
desenraizado de cálculos
fortuitamente lançado sobre a baía

…………………………….

in natura


chegou a hora da prestação de contas:
às apalpadelas, de cor, ligeiro
gomo de amianto um tigre
dentro de um quadrado

à discreta contração de lábios não temos
sequer lastro de linguagem sequer
réplica e sua pouca carniça
— ao fundo só o desejo de orquidários
e uma perturbação de pernas

traiçoeira: uma única versão
que não fareje em seu reverso um último
recurso para a assepsia
mortal — rente aos pés a fabriqueta
formula estilhaços de atalhos presa
escandinava os olhos torpes e somente
o veludo cinza adentro do rasgo
do nome — es

…………………………

(en IHU)

Uma voz interior
que dissesse: as amuradas, as inundações
Não sei se a quero ou se ela apenas desliza
rumo às placas tectônicas
não em off, mas
desmesurada

Seu destino
é habitar o fosso
onde o capim cresce e esperneiam
os monstros sinuosos (também deles
é o mundo)

Uma voz interior
e seu coração de lata: última bala
na agulha

…………………………….

Pretexto

o olho da rua é seco, sarcástico

do mesmo gênero das abotoaduras

e toucadores

de tudo resta sempre o seu mistério virgem

a beleza de íris os ares encardidos a córnea

tal qual um diadema espavorido

sobre nossas cabeças

então ele cruzou a pista sem qualquer melancolia

e travou o zíper sobre a pele  

………………………….

Falácia

Você falou que gostava dos nomes que parecem interrompidos
Conrad, Murdoc
Eu disse sic. Não atenda, por favor.
O céu não entende de marte, mas você disse
e marte ficou estranha, um olhinho exasperado
enciclopédico
como o sexo que fizemos depois. De certa forma precoce,
ficou revoando no papel pardo da janela
até encontrar uma fissura — toda vidro, toda alhures

Você falou plâncton, lítio (rocha sedenta)
árduos assassinos de aluguel espreitando nas masmorras
e, num murmúrio: “treliças”
“orquídeas”
arrebite
para que se ache um ponto de fuga, um ósculo rude
boca vulva narinas — orifícios de luxo
espiando de soslaio fluxos
de palavras novas
e líquidos pela metade.
Você falou alcagüete
e adormeceu com a mão um pouco trêmula sobre a minha perna

(recollidos por Antonio miranda)

………………………..

Subúrbio

pedaço de pau réstia

ante o arame farpado

barras de ferro cabo de vassoura

com um preservativo na ponta

o vasinho de poá a tessitura

arandelas iluminando buganvílias cheiro

de esgoto no corredor estreito um remanso

por detrás do portão

sempre um casal

em flagrante ele molha o dedo

nela o chinelo esturricado concreto nu

amiantos e secura gatos

elétricos ninhos

de fiação borracha queimada tanta alvenaria

atiçando o barro de onde viemos alameda

repleta de empecilhos às vezes

abre-se ao langor às vezes

cápsulas

amanhecem entre as folhagens

às vezes carne

do mundo impõe pipas:

coroação e prumo

ardências que irrompem

e proliferam

( este en Uma pausa na luta)

Aquí podedes vela e escoitala recitando (os poemas están recollidos na selecta)

Porxmeyre

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