Unha das poetas e voces negras brasileiras máis coñecidas, recoñecidas, e divulgadas da actualidade é a de Cristiane Sobral.
Cristiane naceu no ano 1974, na zona oeste do Río de Janeiro, e no mesmo RJ estudará teatro, mais en 1990 múdase para Brasília onde comeza a súa andaina no mundo teatral, non hai que esquecer que Cristiane é a primeira actriz negra graduada en Interpretación Teatral pola Universidade de Brasília.
Na literatura estréase publicando textos nos Cadernos Negros, e actualmente é membro do Sindicato de Escritores do DF e tamén da Academia de Letras do Brasil.
Será do 2010 cando con Não Vou Mais Lavar os Pratos irrumpa con decisión e moito éxito no panorama poético brasileiro, sendo título reeditado en varias ocasións. A súa poesía presenta unha intensidade que salienta porque a voz poética interpela o lector desde moi axiña amosando unha actitude rebelde que nunca desparecerá e que acompaña a lectura esixindo do lector reacción perante as mensaxes tematizadas. Dito isto non sorprenderá que sexa a de Cristiane unha das voces que abandeiran a loita dos negros e negras brasileiros contra o racismo e reivindicando a figura da muller ( e muller negra) na sociedade brasileira. É dicir, abandeirada contra o racismo. É dicir, abandeirada do feminismo.
No 2014 publicará Só por hoje vou deixar o meu cabelo em paz, incrementando a súa “popularidade” ( se é que iso pode existir no mundo poético de hoxe, mais é maneira de nos expresar, ben comprenderán) e certificándoa como unha das autoras imprescindíbeis da poesía brasileira pertencente a faixa temporaria máis achegada a nós.
E no 2017 sae o último título que lle coñecemos; Terra negra.
Mantén aberto un blog, onde se poden consultar textos da súa autoría, non só poéticos.
E non imos engadir nada da súa biografía, aquí podedes consultar máis datos polo miúdo… e vai acompañado dunha entrevista con Cristiane para o portal Literafro. O importante son os textos. O importante é a poesía, porque escribir é resistir. Velaquí unha selección do que atopamos pola rede da súa autoría.
Retina Negra
Sou preta fujona
Recuso diariamente o espelho
Que tenta me massacrar por dentro
Que tenta me iludir com mentiras brancas
Que tenta me descolorir com os seus feixes de luz
Sou preta fujona
Preparada para enfrentar o sistema
Empino o black sem problema
Invado a cena
Sou preta fujona
Defendo um escurecimento necessário
Tiro qualquer racista do armário
Enfio o pé na porta e entro
Black Friday
Alguns homens sonham com meu corpo
Entre os seus lençóis
Eles desejam desesperadamente
Consumir meu sexo
Mas não suportariam meu banzo
Meu clamor
Não aguentariam vestir a minha pele negra
Nem por um segundo
Eles poderiam tomar posse de tudo que sou
E até germinar ali os seus filhos
Mas sairiam sem olhar pra trás
Esses homens devorariam o meu corpo
Com ardor
Como lobos sugariam o meu interior
Até secar meu ventre…
Impunes, voltariam para os seus lares brancos
Sem o meu menor pudor
Tenho medo desses homens
Que rezam para o criador
Que juram um falso amor
Eu tenho medo desses homens
Não aceito os seus sorrisos
Nem me iludo com as suas promessas
Não sou produto com desconto
Esqueçam as ofertas
Black Friday
Meu corpo nunca estará em liquidação!
Para vocês jamais venderei barato
O que sempre custará o dobro.
Tente me amar
Tente me amar
Enquanto a chuva não vem
Depois que o leite derramar
Ame como nunca amou ninguém
Tente me amar
Sem pensar em voltar
No balanço do trem
Esperando a hora certa
De fazer um neném
Tente me amar
Sem desculpas pra me deixar
De anel no dedo
Ame completamente sem medo
Tente me amar
Sem me confundir com ninguém
Enquanto seu lobo não vem
Tente me amar
E consiga.
(Estes tres poemas fan parte de Só por hoje vou deixar o meu cabelo em paz)
Freud explica
Nunca confiei em estranhos
Talvez porque a transição
do indispensável leite materno
para a rude colher inoxidável
condutora da alimentação sólida
tenha sido feita de forma brusca,
com “papas”, insossas,
colocadas à força
em minha boca ainda sem dentes
Não Vou Mais Lavar os Pratos
Não vou mais lavar os pratos
Nem vou limpar a poeira dos móveis
Sinto muito. Comecei a ler.
Abri outro dia um livro e uma semana depois decidi
Não levo mais o lixo para a lixeira.
Nem arrumo a bagunça das folhas que caem no quintal
Sinto muito. Depois de ler percebi a estética dos pratos,
a estética dos traços, a ética,
(este é o seu poema “emblemático”)
A estática
Olho minhas mãos quando mudam a página dos livros,
mãos bem mais macias que antes,
e sinto que posso começar a ser a todo instante.
Sinto.
Qualquer coisa
Não vou mais lavar. Nem levar.
Seus tapetes para lavar a seco.
Tenho os olhos rasos d’água
Sinto muito.
Agora que comecei a ler, quero entender
O porquê, por quê? E o porquê
Existem coisas. Eu li, e li, e li. Eu até sorri
E deixei o feijão queimar…
Olha que o feijão sempre demora a ficar pronto
Considere que os tempos agora são outros…
Ah,
Esqueci de dizer. Não vou mais
Resolvi ficar um tempo comigo
Resolvi ler sobre o que se passa conosco
Você nem me espere. Você nem me chame. Não vou
De tudo o que jamais li, de tudo o que jamais entendi,
você foi o que passou
Passou do limite, passou da medida, passou do alfabeto.
Desalfabetizou
Não vou mais lavar as coisas e encobrir a verdadeira sujeira
Nem limpar a poeira e espalhar o pó daqui para lá e de lá para cá
Desinfetarei as minhas mãos e não tocarei suas partes móveis
Não tocarei no álcool
Depois de tantos anos alfabetizada, aprendi a ler
Depois de tanto tempo juntos, aprendi a separar
Meu tênis do seu sapato,
Minha gaveta das suas gravatas
Meu perfume do seu cheiro
Minha tela da sua moldura
Sendo assim, não lavo mais nada,
e olho a sujeira no fundo do copo.
Sempre chega o momento
De sacudir, de investir, de traduzir
Não lavo mais pratos
Li a assinatura da minha lei áurea escrita em negro maiúsculo,
Em letras tamanho 18, espaço duplo
Poema de Narciso
Se você acha que literatura é perfumaria
Olhe para o espelho do banheiro e leia minha poesia
Engula a força da letra como o pão de cada dia
Haverá cura
Não será um exercício fútil
Verás que trago um poema útil
Munição para os tempos de violência
Cachecol para os dias frios
Palavras pretas luzeiro
Poema farol.
“Barbie” quebrada
cansei de ser fetiche
com minha pele azeviche
enfeitando lençóis
cansei de ser sobremesa
enquanto da janela vejo a beleza da vida
cansei
parei com isso enquanto ainda tenho carnes
parei enquanto ainda tenho sangue nas veias
cansei de ser seu almoço
de sonhar que farei sua janta
enquanto no banheiro você canta
pensando no conforto de sua casa
cansei, cansei
parei com isso
não quero um amor sem compromisso
um meu bem tão omisso
cansei de passar noites em claro
quando você vai embora
eu fico a sonhar com um mundo lá fora
um mundo que você nunca fez questão
de me apresentar
cansei, cansei
esses nós dois nunca existiu
pega o seu sexo e sai
faz de conta que nunca me viu
seu amor tem gosto de cigarro barato
e eu parei de fumar, lembra?
sei que posso deixar de te amar
eu consigo
se não der também não ligo
não gozo mais
não volto atrás
vou viver por minha conta
alimentar-me das minhas próprias carnes
cansei desse “nós dois” desafinado
dessa paixão com gosto de comida requentada
dessa minha cara de “barbie” quebrada
cansei.
(publicado na coletânea Cadernos negros, v. 37. Quilombhoje.)
Heroína crespa
A cada dia
Luto pela minha raiz
Sou rebelde e estou em extinção
Minha bandeira é crespa
Escovas progressivas?
Escovas inteligentes?
Barbáries sucessivas das mentes
Esse grito de ordem e progresso
Poderá ser o regresso
Aos padrões hegemônicos!
Quem tiver ouvidos para ouvir, ouça
A subalternidade é heteregênea
A Rainha de Sabá
Mulheres, não sejamos impunes
Nossa existência dura pouco
Nosso corpo não é um copo
Bebamos a vida com precisão cirúrgica
Mulheres, não sejamos infames
Bebamos a vida com línguas de fogo
Saibamos ganhar o jogo
Do ser
Não sejamos insossas mulheres
Gozemos a vida com sabedoria
Nosso corpo não é um copo
Somos a taça premiada
Saibamos brindar
Resiliência
Por outras portas hei de passar tranquilo
Encontrarei o desafio e passarei a segui-lo
Inalcançáveis janelas poderei romper
O final não vai acontecer
Talvez eu tenha que saltar um muro
Posso até quebrar as pernas e ficar doente
Mas não me entregarei simplesmente
O mal não vai encontrar futuro
Quando disserem “já era” talvez eu mude o percurso
Pois sei que não posso desistir do próximo instante
Algo de bom me espera logo adiante
Quando disserem “acabou”, a vida estará em curso
Se eu de fato estiver a agonizar, perto do fim
Encontrarei forças para reverter as previsões
Estarei pronta a reinventar as minhas decisões
Enxergarei uma nova estrada diante de mim
( Todos estes poemas, agás o sinalado ao final, pertencen a Não vou mais lavar os pratos)
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Como sempre estes artigos van dedicados ás mulleres da miña vida. E o hoxe, este. é para MARISA.
Hai amizades, e amizades…e despois está ela, Marisa. É un privilexio que á vida de calquera chegue unha persoa como Marisa, a bondade encarnada nunha muller preciosa por dentro e por fóra. Nunca a escoitei falar mal de ninguén, aínda que a ela había quen a poñía verde…E é que a boa xente sempre esperta ciúmes e incomprensións…
Quitoume de moitas molladuras, agracioume coa súa amizade. Non se pode pedir máis nin mellor. Sempre estará no meu corazón…