Ana Paula Simonaci: o voo da xenialidade poética

Porxmeyre

23/08/2020

Ana Paula Simonaci é poeta brasileira vinculada, polo que eu sei, ao mundo cultural do Río de Janeiro, aínda que creo que lin por algures que era orixinaria de Niterói. En todo caso, estes pormenorers biográficos adoitan ser bastante irrelevantes, case todos. Agás un, que quero salvar: está casada co poeta, editor e activista cultural Sérgio Cohn. E quero facelo porque un estudo comparativo da poesía do Sérgio e a da Ana Paula sería moi interesante e posiblemente achegaría datos significativos para a a obra de ambos.

Ben, Ana Paula Simonaci, é poeta que podemos adscribir á xeración dos 90, en canto a que ela nace nese ano.

Ben, levo tempo diciendo que Ana Paula é poeta. E é unha poeta inmensa, xa verán. Mais tamén teño que dicir que tamén é editora, investigadora e especializada en BIbliotecomanía, e precisamente é na coordinación das Bibliotecas  Sesc do Rïo de Janeiro, onde ela se desempeñou laboralmente, por exemplo. Mais, sobre todo, e aínda por riba da formación técnica e mesmo científica (se se quixer, poise ela non se formou academicamente en letras propiamente ditas), o que é Ana Paula Simonaci é unha grande poeta, unha poeta inmensa. Porque vive sendo poeta, ve e sente sendo poeta, e iso é algo que non se pode dicir de tod@s @s poetas aínda que se pense o contrario.

E Ana Paula só publicou un título. Voo, no 2017. Que conste, non se necesita máis para acadar as máis altas cotas literarias

Mais antes de escribirmos sobre a súa poesía é nesario dicir que é, desde sempre, unha grande lectora, desde Agatha Christie nos comezos, a Cecília Meireles, Florbela Espanca e, antes que ninguén, Clarice Lispector, de quen lía polo menos un libro ao ano.  Clarice Lispector , palabras maiores. Despois chegarían Rimbaud, García Lorca, Roberto Piva, Orides Fontela, Herberto Helder, Hilda Hilst, Jorge de Lima, Saramago e máis….

E, si, volvamos ao Voo, e o primeiro a salientar é que se trata dun poemario que deixa a imaxe dunha grandísima poeta que, polo que puiden averiguar, aínda non foi ben asimilada nas letras brasileiras. O segundo que quero indicar é que Ana Paula concibe o poema non como un texto lírico sen máis, concíbeo de forma integral, tal e como as vangardas do s. XX comenzaron a interpretar o texto como imaxe nunha folla en branco. Mesmo, a pesar da seriedade da temática do libro, hai aí, creo adiviñar, certo ludismo, a xulgar polo que se pode ler nesta entrevista. Óllese que digo certo ludismo, o cal implica tamén certa esperanza, nun poemario de tipoloxía existencialista. Onde a preocupación pòlo ser resulta absolutamente central. Por suposto sen chegar a unha conclusión única nesa pregunta que é un labirinto como toda persoa é un labirinto. Un labirinto no que chega dicirse “eu sou tudo o que está perdido”, onde queremos ver unha referencia ao mundo cultural/ ao mundo das lecturas desde o cal naceu o poemario. É para ela, seguindo esta liña, máis fácil identificarse no pasado lido, que no presente onde dubida. Por iso precisa transgredir, revirar todos os libros, sentirse salvaxe e a medias seducida e asustada. Por iso tanta soidade como no poemario se respira, o apelo aos deuses ou o recurso aos animais (peixes, paxaros), ou a clásica metáfora do barco no mar.

Porque Voo é un poemario impactante. Quen o lea, difícilmente pode resistirse á beleza dos poemas de Ana Paula en calquera dos cantos que componen o libro. Unha beleza que se expresa desde todos os recursos que a poeta ten a man ao plasmar o texto sobre a folla en branco.

Agardamos que este título sexa o primeiro, dunha obra que promete moito, moito. E mais se temos en conta a súa xuventude. Agardamos que a súa actividade como activista cultural non esconda a grande poeta que é. Un activisno cultural que a leva a preocuparse, por exemplo, polo pensamento indíxena nas Revistas de Cultura  (lean a Ailton de Krenak, unha leitura moi proveitosa sobre todo para os que somos estranxeiros e non coñecemos ben o pensamento indíxena). Afortunadamente tamén atopamos poesía posterior a Voo, tamén extremadamente interesante, len o derradeiro poema desta breve antoloxía….

Ou esa súa outra “obsesión” como son os quadrinhos e que nós chamamos banda deseñada.

Son proxectos moi interesantes e Ana Paula séntese seducida por todo o que é cultura, máis por unhas cousas que por otras, mais nada lle é alleo. Por exemplo, outro exemplo, a música. De aí a concepción do libro en cantos, que xa comentamos.

Velaquí un “aperitivo” da súa poesía, que copiamos como puidemos, mais que non dá a imaxe da súa poesía, para iso, despois, se se senten seducidos por esta granda poeta, poderán ler o poemario enteiro coa forma poética orixinal.

Como sempre, deixo o seu Facebook, por se lles apetece seguila aí atoparán poesía máis actual da Ana Paula, unha poeta tecnicamente brillante e sempre comprometida coa causa dos máis desfavorecidos, desde a comunidade negra á loita LGTBI+.

…………………………………………………………..

sou os dias sem chão dos pássaros

eu grito pelas montanhas e ninguém ouve
eu uivo pela selva e nada se move


o agora
entre o sim e o não
que deriva no vento


de quatro
sou ele sou ela
sou falo sou fenda

………………………………………………..

CANTO I

esta é a realidade.

eu sou porque meu gato me vê.

dentro de seus olhos o mundo já não existe mais.

com sua face felina ele me vê, um corpo, ele me vê, uma alma,
ele me vê, uma dança.

nômade de mim, vazio, expurgo, êxtase.

rejeitar certas formas de viver me fizeram livre
e meio desesperada.

se eu fosse eu, seria muitas.

tem corpos com medo de ser.
eles têm medo porque não estão autorizados a ser.

eu não sou ninguém. eu não sou daqui.

[os loucos não sabem. não sabem quem são e por isso existem.]

eu sou porque Deus não é.

seria a escuridão o que faz os raios de sol existirem?

voa, voa, meu pequeno pássaro. leva minha canção.
me traga olhos de borboletas, de mariposas, olhos de rapina.
rapte olhos para que eu possa ver um novo mundo.

miro no céu, vejo os dias que passam.
as aves voam. a lua reflete as sombras sobre o mar.
as ondas quebram sobre outras ondas. eu morro e nasço.

eu sou a futura sombra dos pássaros passados
que revezavam as guias da vida.

eu sou todos os deuses que fazem morada nas nuvens.

eu sou todas as chuvas, todos os raios!

[e todos eles não existem]

e eu não existo quando Deus é.

[meu gato pula em meu colo e me torno eu sem metafísica.]


CANTO IX

o sangue corre
todo mês
todo mês
o rio corre
todo mês
todo mês
o sangue o rio o sangue
e o tempo
refaz
o tempo
e o rio
as ruínas
em que me deito
casa em que habito

o tempo
refaz
o tempo

só entende de ruínas
quem já teve um coração partido

quem perdeu
quem só se encontrou

quem entende de tempo
entende de ruínas

tempo

………………………………………………………

todos os dias os pássaros. todos os dias voam

da janela vejo os que voam em bando. planando.

os que voam sozinhos batem suas asas muito mais vezes.
da alvorada ao crepúsculo.

onde os pássaros pousam é onde eu queria estar.

para o rio del prata eles voam e se misturam com o cinza do rio azul.

[quando fui para o uruguai, deixei seu nome em todas as ruas. pouco a pouco me desfiz
das suas letras. está tudo lá. nada mais em mim.]

……………..só entende de jornadas quem acredita.
……………tudo ia mudar, tudo. tudo vai mudar.

em colônia, as ruínas e o mar.

……..os que voam sozinhos batem suas asas muito mais vezes.

todas as cidades desabam, a grama cresce por sobre as
pedras, os pássaros se alimentam de passado e depois voam
em direção a outros passados.

eu encontrei você e todo o seu passado.
você encontrou em mim ruínas e mar.

na cafeteria da livraria pedi uma xícara de prata. vi nela meu rosto e pelo vidro das janelas
vi os pássaros e os seus peixes no fundo do rio.

tudo ia mudar, tudo. os bandos em revoada. os peixes no cardume.

e os que voam, nadam, e andam sozinhos
em busca de liberdade.

§

a cobra come o próprio rabo

mergulhar dentro de si. ali estava de novo a imagem que vi em transe: um templo,
quartzos verdes, a gota de orvalho.

foi nesse dia que entendi que a busca era no labirinto dentro de mim mesma.

o avesso da vida seria virar-me de dentro pra fora?

e eu achava que todos os caminhos levavam aos outros.

o caminho em direção a si mesmo, uma tentativa, rastro, sopro que leva ao outro em si.

o telefone toca. minha mãe me diz que fez uma bolsa de crochê. achou um nó no meio da tecelagem. desfez toda a bolsa. desfez o nó. refez todo o caminho.

§

precisamos ir à índia caçar os tigres azuis.

[a distância e o tempo são uma coisa só]

eu andei três desertos até ver um oasis. eu andei três casas no xadrez. eu perdi minha rainha para um cavalo feroz que veio de dentro do mar. o bispo se ergueu para ouvir as orações que eu fazia quando menina dentro da igreja onde morei nos dias da minha puberdade. o tabuleiro não é apenas um quadrado, ali existe uma montanha. todas as casas da cidade com seus bispos, reis, rainhas e torres um dia caem no chão. minha casa de infância foi demolida. a casa dentro da igreja. isso foi quando comecei a buscar os tigres azuis. chorei quando demoliram deus. me deu esperança e me deu loucura. temi ao olhar diante da cara desse tigre que não é azul, pois está por todos os lados. e não são poucos os relatos selvagens. busquei os tigres azuis. andei quarenta quilômetros até o rio, em nome do amor. e me ergui com asas para caçar a paz, mas a porra da paz não habita no meu coração feroz. são poucos os relatos sobre liberdade. os tigres azuis estão extintos.

mas alguns caçadores ainda os vêem, mesmo que em sonho.

mel e perdição.

§

todo dia me sinto um pouco menos eu mesma.

as horas deveriam ser curadoras, mas são grandes assassinas.
cada minuto mata o minuto anterior.
a pressa, a ansiedade de viver, de acertar os erros do passado,
já não tenho mais.
a necessidade de ser outra que não eu,
já não tenho mais.

a arte de perder não é nenhum mistério, sabemos.

a grande lição da vida se desfaz no desenrolar do tempo.
não há o que aprender, pois a vida não é um aprendizado.
a vida é latente. a vida é um coração vivo que bate para circular
todos os sangues.

………..eu sou o meu reinado. coroada por mim mesma,
………..decreto todos os dias
………..o fim de quem eu fui.

o que tanto há para se fazer nesse mundo?

eu busco nas palavras um caminho, como um lasco de sobrevivência,
como uma lamparina para saber onde pôr os pés no mundo.

o mistério de perder não é algum senão tudo o que parece ser.

hoje montei um quebra-cabeça e sobrou uma peça. dei a ela meu nome.

………………………………………………

um poema suspende o mundo

 um poema cresce

 selvagem

um poema não industrial

cresce no mato livre

na boca

tátil

um poema

suspende

o mundo aumenta

quando uma imagem

cresce em um poema

franceses em 1830

atiram pedras em um relógio

o homo sapiens

olha o sol e a sombra

e salomão

como repetição mecânica

diz que tudo

é vaidade

debaixo do sol

um relógio digital

 apita quando

 os calendários

rebeldes

desdenham da história

os olhos se viram

ao contrário

do mundo

o tempo linear

foi suspenso

ditou um coelho

uma criança

tomou um reino

 e montou castelos

 com pequenas

pedras na beira do rio

do poema

se espera um mundo

no corpo do poeta

o tempo não age

a velhice, a juventude

o corpo do poeta

se fixa em um não

revolucionário

contra as rotações

do universo

 o corpo do poeta

brinca

e ri com os castelos

porque sabe

que os deuses não sonham

e a realidade é relativa

porque sabe

que dança

frente aos dias

que pulam nos calendários

sem dizer para onde vão

(Este é o seu contributo á antoloxía Uma pausa na luta, organizada por Manoel Ricardo de Lima)

…………………………………………………….

ÚLTIMO POEMA DOS ANOS 10

me escute, isto não é

um poema político

seus ecos, nos becos,

suas vozes

isto não é

 uma crítica a arte contemporânea

 em um poema crítico

contemporâneo

animal-poema

partitura

verbal de

caixas torácicas

secas, cheias de flores

e fome

de descobertas

sonoras

atenção: isto não é um poema

sobre medo da morte e

do esquecimento

cordas vocais

instrumento-ferramenta

harpa, arpão

reverberar

a vibração, o eco

ver a vida

rebentar

no arpoador

vamos, não é um poema político

tomador

de espaços

de luta

é um animal

selvagem

rugindo

elefantes

dançando

no rio

onça pintada

de sonhos

de liberdade

 esses dias te vi

sorrindo e disse

vamos junts, companheir

este poema-morde

me dê a mão

tenho medo

da morte,

do silenciamento,

tenho medo do esquecimento

faça comigo

um poema

para esquecer

o medo

um poema

de luta, de dor,

de espaço

de vida

um poema

para imprimir os

dias

nos dedos

nos lábios

faça comigo

um poema político

( Na revista Terceira margem, 2020)

E agora, se gustaron da poesía da Ana Paula, velaquí a ligazón ao seu libro que prometera.

Porxmeyre

Un comentario sobre «Ana Paula Simonaci: o voo da xenialidade poética»

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