Bianca Gonçalves, a poesía da conciencia…

Porxmeyre

29/11/2020

Han de perdoar a ousadía, que este home branco e deste outro lado do Atlántico queira comezar esta presentación da poesía de Binaca Gonçalves afirmando que @  poeta negr@, cando é consciente das circunstancias que rodean o seu mundo, NUNCA É LIBRE. Terríbel afirmación. Mais creo firmemente nela. Pois sendo así, a necesidade de autoafirmación na súa negritude, a necesidade de loita contra o racismo, impóñense como temática preeminente, apremiante, primordial…e, polo tanto esa necesidade impugna toda liberdade. E máis se se é muller negra. E máis se se vitalmente non se pratica a ortodoxia social.

Non pode haber liberdade de expresión se existe racismo.

Non pode haber liberdade de expresión se o machismo devora todo.

 Obviamente, esta apreciación non só é válida na poesía actual, tamén o foi  históricamente.

Mais, aínda así, a poesía negra consegue tocar otros temas! De certo que si! Créana human@s, que como tales teñen múltiples necesidades comunicativas. Que como tales necesitan múltiples válvulas de escape (en palabras da propia Bianca Gonçalves). E con todo, isto non invalida a niña apreciación inicial senón que explica o contexto. Precisan crear certa normalidade nun contexto humano (racismo) anormal.

Polo momento Bianca Gonçalves ( Saão Paulo, 1992) é autora de un só título: Como se pesassem mil atlânticos (Urutau, 2019). E, sendo poeta tan nova e autora de un único título, o seu é un dos nomes que últimamente máis chararon atención, máis conmoveron o mundo poético e literario brasileiro. Sen dúbida estamos vivindo o espertar, o nacemento de un nome que dará moito que falar na literatura brasileira, e non só na poesía, pois a poesía non encerra todas as súas inquietudes comunicativas. Mais estamos aquí para presentar a súa poesía, e a iso nos diriximos. Agardamos con impaciencia un novo poemario seu, na certeza de será aínda máis rico.

Polo momento podo dicirlles que a poesía de Bianca non responde á típica ilumincaión que nace instantáneamente cando as condición contextuais lle inspiran un determinado texto. Ou si. Ese instante de revelación existe, aí nace o poema mais non é o poema. O poema constrúese despois ao longo de períodos temporarios variábeis. Poden ser días, poden ser semanas, pode inclusive que sexa máis tempo. E isto indícanos que a súa é a unha poesía fondamente meditada. Fondamente meditada tanto no seu contido como na súa forma. E isto é importante porque indica que é unha poesía da conciencia, o sentir da conciencia, non pirotecnia espectacular, fogonazo da brevidade puntual. E isto é importante porque indica que as súas poesías, formalmente falando, son textos moi traballados; son textos moi traballados nos que ten especial importancia o aspecto oral, a sonoridade da lingua que emprega.

“eu canto porque o instante existe

e minha vida está completa

não sou alegre e nem triste

sou poeta”

Lembren estes versos de Cecília Meireles, que serían tan importantes para Bianca, porque definen unha forma de estar na vida, unha forma de concebir a vida, unha forma de concebir a poesía.

Como poeta novísima que é, exprésase non só en libro senón que utiliza todas as plataformas que se lle ofrecen. Máis nomes importantes de poetas importantes para Bianca: Angélica Freitas, Paulo Leminski, José Paulo Paes, Ana Cristina César, Ledusha ou Alice Ruiz.

Este é o seu blog, bitácora que ofrece lecturas sumamente interesantes.

Este é o seu Instagram, acharán poesía nel.

Este é o seu Facebook por se queren seguila.

E agora vai a pequena selecta que elaboramos.

(En Ruido Manifesto)

segunda onda

com as feministas

que lutavam contra a ditadura

aprendemos

mas fazer pacto suicida com o companheiro

é pouco feminista

daí fomos morar juntas

e o pessoal de casa finalmente ficou político

*

natal 2018

todos os olhos dos convivas voltaram-se à ana

antes que fosse tarde

e a atravessassem uma bala

ana chamou à casa

demolição

com todos os convidados

incluindo a avó fazendo bordado

duas galinhas num cercado

*

ancestralidade

catação de pelos no queixo

seja com a pinça ou com os

próprios dedos

é a prática mais antiga

das mulheres de casa

analógicas experientes

recolhem pela ponta

dos pelos

desencravam com

finíssimas unhas

outras investem

em pinças

e se contorcem

diante do espelho

as mais velhas andam

pelos corredores

na eterna catação

inclusive eu mesma

enquanto escrevo

a dissertação

me flagro no

gesto ancestral

de dedos que se

encontram com o

queixo

talvez para evitar

na próxima visita

minha vó que sempre

bulia com a barba

das meninas

o que explica

o fato da

mais nova

da família

ter inaugurado

uma franquia

de clínica de depilação

………………………

(En Literatura Br)

necropolítica

escrever um poema a um homem
antes que o levem

antes que ele se perca numa
estrada vazia antes
que ele desista
de sua própria vida

escrever um poema a um homem
antes que o joguem água fria
ácidos ou gás antes
que em praça pública
depositem sua cabeça
numa bacia

escrever um poema a um homem
escrito em caneta rosa
com ponta fina
um poema que toque
e o faça tocar
cada parte
da sua estrutura
física

um poema que reduza a estatística
e que meu amor
traduz

antes que seja tarde
antes que o deus deles
apague a luz

………………………………

(En Mulheres que escevem)

NÃO BEBO CAFÉ

nos encontramos antes
da benção do chiste
graças aos nossos
largos passos
fugimos daquele script
mas eu ainda perguntava
da piada que não entendi

nós duas juntas
dava um filme:
two girls and one cup
of tea.

fitava cismada
aquela caixa
coisa
que só homens
podiam tocar
ficava estático
decorativo
na sala de jantar
não sabia objetivo
mas queria por
minha boca lá
~
meu pai dizia
que gaita é
coisa muito
íntima
pigarro
cigarro
saliva
de três gerações
da família
e também
o movimento
sugeria
com o formato
ginogeometria
provavelmente
não me toleraria
me restando
dessa forma
o apito
do palito
que sobrava
no final
do pirulito
~ ~
ah se eu
voltasse
aos tempos
de menina
eu refaria
meus idos
tocando
ocarina.

ENTRE PAUL GILROY E O RAP QUE NÃO FIZEMOS

uma cama que boia atravessa o atlântico
uma cama — ainda boia
mesmo com nossos corpos
ainda que encharcados
de tanto gozo

meu corpo de mulher é uma ilha:
uma parte se descolou de algum lugar dos trópicos
e a outra daquela maldita península
formando aquilo que julgam alguns dos nossos
ser porção indigna e corrompida

mas teu corpo de homem também é uma ilha
cujas partes unidas são minhas reconhecidas
também são minhas as tuas ruínas

à deriva trocávamos entre memórias e amassos
ânsias maltrapilhas
a despeito de qualquer alcunha
dada aos nossos antepassados
(e também a despeito de qualquer imprópria fama
nosso peso bem comporta o lugar possível
de uma cama)
em terra firme eles se atracam e batem com força
papéis punhetas panelas e as próprias cabeças
enquanto nós — recolhidos — por mais ínfimo que seja
(e que a eles pareça)
matutamos correntes fugas: outra matéria
êxitos sem pensar no peso da pressa
vitória sem peso de miséria
triunfo sem usar conta-gotas

quer comigo fincar raízes
ou negociar rotas?

OUTRA QUADRILHA

hoje beijo João
com a mesma doçura
que beijei Maria
ontem à tarde
debaixo daquele pé de amora

ela
por sua vez
abraçou minha amiga

enfim
até parece
uma quadrilha correspondida

BEYONCÉ À MERCÊ

por que insisto tanto
se me faz tão mal?
rock it ’til waterfalls

……………………………………………………

(En Nó de Oito)

“levar a sério quem não conhece a revista Klaxon
prestar tributos a quem não diferencia Leste Europeu de Oriente Médio
criar uma lista de bons modos num churrasco – para cada lado da família
um romance em javanês

eu agilizava conversas mentalmente e herdava da minha vó
essa angústia de quem tem filha desaparecida
de rezar em voz semi-baixa enquanto estendia
roupas no varal
(na frente as calças e camisas
nunca as cuecas e calcinhas)

apesar da reza agora ser outra
(algo entre T. Morrison e G. Stein
excertos de bell hooks
& poemas não-escritos)
o irremediável é sempre
senhora vestida de saia e tamanco caro
às sete da manhã e doutrinas

de como eu devo ser doce
corpo fechado
corpo limpo

mulher nova ordem mundial”

……………………………..

(Na Mallamargens)

duas meninas 

acho bonito o traço dos desenhos algures
e lamento por não conhecer tua filha

colo no quarto o que resta
     memorabília
e lamento por não conhecer tua filha

naquele dia eu lembro
vi você de barriga
florida e de brincos
uma sandália de tecido
de sombrinha da china
e lamento por não conhecer tua filha

tarde demais e a cabeça já feita
perdoou a si mesma por ultrapassar
a linha:  a via quatro não te pega
nos braços nem dá colo
nem peito

mas você sim

e se vissem nós três juntas
perguntariam qual das duas
é de fato
tua menina





fim do mundo


quando M. deixou de odiar as formas de vida que não eram ele
um buraco se abriu
entre suas pernas
pronto, aquí

Porxmeyre

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